Renato Medeiros 25/09/2010
O preço do deslumbramento
Publicado em meados do século XX, A Morte em Veneza, um dos mais conhecidos livros do alemão Thomas Mann, traz a trajetória de declínio de um aclamado escritor de Munique atormentado por amar um jovem que, para ele, era a personificação da beleza ideal.
Gustav von Aschenbach viveu toda a sua vida em função da construção de sua extensa obra literária. Desde muito cedo se dedicou inteiramente a esse propósito e privou-se dos mais comuns prazeres da juventude. Porém, na maturidade, tomado por um impulso desafiador, interrompeu o seu exaustivo trabalho e partiu em viagem pela Europa. Ele só não esperava encontrar em Veneza tudo aquilo que sempre procurou e sempre tentou expressar em sua arte: a forma perfeita e as proporções harmônicas do belo. Foi na figura de Tadzio, garoto polonês de apenas 14 anos, que Aschenbach, rendido à beleza do jovem, inicia um processo gradativo de decadência moral, levando-o a total anulação de alguns de seus mais preservados princípios.
Tadzio se encontrava de férias com a sua família em Veneza e estava hospedado no mesmo hotel que Aschenbach. A comunicação entre os dois é frágil ou praticamente inexistente, exceto por alguns olhares trocados. Porém, eles jamais chegam a se falar. Pouco a pouco, Tadzio vai, indiretamente, seduzindo o escritor que, perturbado, se sujeita às mais ridículas cenas.
A fixação de Aschenbach é o principal ponto de articulação da história, narrada apenas do ponto de vista do protagonista. Entretanto, embora se tenha indícios de que Tadzio também se sente atraído pelo escritor, o leitor não sabe o que se passa na mente do garoto, pois toda a agonia e todas as sensações apresentadas na novela são frutos apenas das observações de Aschenbach. Nada se sabe da natureza de Tadzio, a não ser aquilo que é apresentado pelo seu admirador. Por isso, o leitor pode se perguntar se não houve exagero em certas situações vividas no livro, se não há imaginações exacerbadas de um homem apaixonado.
Muito se fala sobre o caráter autobiográfico de A Morte em Veneza, já que aspectos da vida da personagem principal coincidem com os do autor, como o fato de ele também ter sido um escritor famoso, maduro e bem sucedido. Além disso, há boatos de que Tadzio - certamente um rapaz com outro nome, porém também polonês - teria realmente existido e que Thomas Mann o conhecera durante uma viagem feita à Veneza, em 1911, mais ou menos na mesma época em que se passa a história.
A linguagem de Thomas Mann é tradicional e aparentemente não traz grandes influências das correntes modernistas da época. O texto é cheio de pequenas cenas que, de princípio, parecem estar desvinculadas da história principal e apresentam certo ar profético, mas que no fim ganham sentido para o bom observador. Exemplo disso pode ser percebido quando o gondoleiro clandestino some sem receber o seu dinheiro e sustenta a expressão: "você pagará", porém sem mencionar em qual moeda se fará esse pagamento; ou quando o velho rejuvenescido sofre críticas de Aschenbach durante a viagem à Veneza.
A Morte em Veneza é uma obra curta, completa e fascinante. E mesmo que seu desfecho deixe a desejar, talvez por ter se tornado um pouco óbvio, é capaz de causar sensações, no mínimo, interessantes e curiosas no leitor, o que faz a sua leitura valer a pena.