Emanuel.Müller 23/08/2022minha estanteAssim como a leitora acima, eu também discordo plenamente de seu comentário sobre a obra.
Afirmaste que Lucíola é uma cópia descarada de "Dama das Camélias" de Alexandre Dumas Filho. Discordo no aspecto que a peça teatral do dramaturgo francês não nos traz de forma profunda o psicológico de Margarida, enquanto em Lucíola, percebemos que o desejo dela, para sair daquela vida miserável de prostituição, é perceptível quando ela vai uma vez por ano na festa de Maria da Glória, para pedir a Deus e a Virgem Santíssima a graça de abandonar os vícios da luxúria e da perdição que a prostituição causa.
A própria Lúcia fala para Paulo que ela, no mundo da prostituição, disfarçava ser uma pessoa que ela não era, uma prostituta pervertida, e que ela sofria muito por isso. Este sofrimento torna-se mais evidente, quando na festa de Sá, ela se desnuda na frente dos convidados e depois chorar a parte, porque quando ela via Paulo, lembrava-se de quem um dia ela era, uma mulher de bom coração e pura, e ao mesmo tempo disso, ela se via no espelho da alma como uma mulher que desprezava a si mesma, a ponto de se despir para ser cobiçada pelos homens como uma carne de açougue.
Lúcia não era uma meretriz como Margarida. Lúcia sofria muito mais que ela, ainda mais quando ela disfarçava este sentimento. Ela agia hipocritamente contra si mesma, porque ela não tinha esperança de mudança de vida.
Por esta razão, vemos ela se apaixonar por Paulo, pois seu olhar puro e amoroso a ela e seu um doce elogio a moça, fez com que ela tivesse esperança de que um dia, ela saisse daquela vida miserável. Por isso ela disse que quando Paulo a viu daquele jeito, diferente dos outros homens, era como se Deus olhasse para ela.
Margarida, diferente de Lúcia, gostava da vida de prostituta, por causa dos luxos, dos jogos e da felicidade. Mas ela sentia falta de alguém que realmente se importava com ela, pois uma prostituta adoentada ou velha, ninguém mais quer (se eu não me engano, foi dela que ouvi algo parecido). Por causa disso, Margarida se surpreende do fato de que um homem, que nunca foi a ver, quisesse saber de seu bem estar.
A conversão e mudança de Margarida é algo que levou tempo e grandes sacrifícios, enquanto em Lúcia, era algo que já estava operando em sua alma desde a primeira vez que ela viu Paulo em Pernambuco. O olhar a percrustrou de tal maneira, que ela lembrava precisamente o rosto de Paulo, sem ao menos o conhecer. Por esta razão, ela pergunta para Paulo, no início do livro, "que roupa eu estava na primeira que nos encontramos? Lembras do leque que pegaste para mim?". Ela guardou em seu coração, de tal forma que no fim do livro, em sua declaração de amor, ela fala que o amava desde o primeiro dia que o viu. Para um realista pode soar um pouco estranho, mas se levarmos em conta de que Paulo foi o único que a olhou com outros olhos, sem a olhar como uma carne de pernil a ser desgutada pelos sentidos, levou a ela a esperança oculta de que, sim, há esperança de uma vida nova.
O resgate do nome Maria é o sinal da morte da antiga prostituta para tornar-se, não mais Lúcia, mas a nova mulher, o resgate da antiga e casta Maria que um dia foi, renasceu. Ela comprou uma nova casa, para viver de uma nova forma, e vivendo a nova vida, criou sua irmã que estava num internato, como se fosse sua filha, e Paulo também a cuidou, como se fosse seu pai.
Lamentamos o fato dos dois não terem ficado juntos no final, como na "Dama das camélias", mas nesta obra, o leitor sente mais, porque se comove junto com Paulo. Este foi o meu caso e de outros leitores.
Os artista românticos tinham em vista de que a melhor forma de contemplar uma obra de arte era de se deixar levar pelos sentimentos e afetos da obra, seja literária ou especialmente musical. Este é o caso da obra Lucíola, por isso muito choram em seu final, devido a sua profundidade de afetos e sentimentos trazidos por Paulo.
Lúcia não foi a única que mudou. Paulo foi um dia inocente e puro, mas ele tinha um problema em seu ser: ele desejava Lúcia carnalmente, porém, no íntimo do seu ser, desejava somente ela. Diferente dos outros homens que não ligavam para a história de fidelidade, ainda mais em relação a uma meretriz, Paulo não a via como uma mera meretriz, mas por uma mulher, que em seu íntimo, não era uma mulher qualquer, era a mulher que ele amava.
Creio que Paulo, sim, ajudou Lúcia nesta mudança, mas ela também ajudou Paulo a deixar de ser um homem extremamente luxiorioso e egoísta, para ser um homem de virtudes, que se preocupa com o próximo, especialmente com a amada.
Note que quando Paulo não tinha seus desejos correspondidos, ele ficava irado. No fim do livro, ele tem uma outra compreensão. Porque não era mais o mesmo Paulo, era um Paulo diferente, que aprendeu a abandonar o egoismo e a verdadeiramente amar.
Portanto, Lucíola está muito longe de ser uma cópia de Dama das Camélias, pois nesta obra de Alencar, o autor perscruta ainda mais o psicológico dos personagens e as questões sociológicas, do que na obra do escritor francês. Lucíola pode ter sido embasada em Dama das Camélias, mas nunca copiada, pois as intenções e pensamentos do autor e dos personagens são tão diferentes, que nota-se que Lúcia e Margarida não são a mesma pessoa, mas são mulheres de histórias de vida e pensamentos totalmente diferentes.