Marina 18/08/2020
Em "Lucíola", Paulo, um jovem que acaba de chegar à corte do Rio de Janeiro, se apaixona por uma jovem cortesã, Lúcia. Logicamente, por ser prostituta, existe uma série de problemas e prejuízos sociais que "impedem" esse romance. Porém, ao longo do livro, vemos como esse amor transforma profundamente os protagonistas.
O mais interessante de Lucíola, pra mim, são os contrastes de Lúcia. Por um lado, uma prostituta famosa e desejada. Por outro, uma moça de 19 anos de aparência delicada e ingênua. Debochada e sagaz com os clientes, é submissa e doce com Paulo.
Sem dúvidas, é uma personagem complexa e interessante e só por conhecê-la, vale a pena a leitura.
"Compreendo hoje as rápidas transições que se operavam nessa mulher; mas naquela
ocasião, como podia adivinhar a causa ignota que transfigurava de repente a cortesã depravada na
menina ingênua, ou na amante apaixonada".
Outro aspecto super importante é a evidente crítica social. Imagino o impacto da obra em seu tempo, fazendo com que o leitor torcesse por uma prostituta, conhecesse mais sobre seus desejos e sentimentos, sobre as circunstâncias que a levaram a seguir esse caminho... enfim, entender a pessoa por trás da personagem e o muito que a convenções sociais dificultam a sua vida (de certa forma, ao escolher ser uma "mulher da vida", Lúcia abriu mão de ser uma mulher que controla a sua vida. Aos olhos dos outros, é um produto que não merece ser feliz, amar, nem ser amada).
"Ah! esquecia que uma mulher como eu não se pertence; é uma coisa pública, um carro
da praça, que não pode recusar quem chega. Estes objetos, este luxo, que comprei muito caro
também, porque me custaram vergonha e humilhação, nada disto é meu. Se quisesse dá-los,
roubaria aos meus amantes presentes e futuros; aquele que os aceitasse seria meu cúmplice.
Esqueci, que, para ter o direito de vender o meu corpo, perdi a liberdade de dá-lo a quem me
aprouver! O mundo é lógico! [...] enquanto ostentar a impudência da cortesã e
fizer timbre da minha infâmia, um homem honesto pode rolar-se nos meus braços sem que a mais
leve nódoa manche a sua honra; mas se pedir-lhe que me aceite, se lhe suplicar a esmola de um
pouco de afeição, oh! então o meu contato será como a lepra para a sua dignidade e a sua reputação.
Todo o homem honesto deve repelir-me!".
Spoilers :)
Ao se sentir indigna do amor de Paulo, mas grávida dele, Lúcia tenta voltar à simplicidade e ingenuidade, se abstendo sexualmente e deixando de atender clientes.
O problema é que Lúcia é muito mais interessante sendo Lúcia do que sendo Maria (seu verdadeiro nome). A sociedade condena Lúcia por ser prostituta, mas ela também se condena. Paulo também a condena. Afinal, os protagonistas também pertencem à sociedade.
Acho triste pensar que, se o leitor simpatiza com ela, é pela punição e castigo que enfrenta (um aborto, a morte). A própria Lúcia se vê como um demônio, como alguém sujo. E Paulo, para poder estar "ao seu nível", passa a ser um homem ciumento, que a humilha, desconfia dela e muitas vezes a despreza.
Assim, a ideia que o livro passa é a de que, para que um "homem de bem" ame uma prostituta, ele não pode ser tão perfeito assim, e ela deve se humilhar perante ele, se arrepender dos seus pecados e tentar recuperar a sua pureza. Enfim, né.
Paulo e Lúcia viveram o seu romance por alguns meses, mas no livro, ele faz questão de mostrar o impacto dessa mulher em sua vida. Daí, essa predileção por seres "imperfeitos".
"No livro da vida não se volta, quando se quer, a página já lida,
para melhor entendê-la; nem pode-se fazer a pausa necessária à reflexão. Os acontecimentos nos
tomam e nos arrebatam às vezes tão rapidamente que nem deixam volver um olhar ao caminho percorrido."
O livro é contado por Paulo, que conta as suas memórias para uma senhora (G.M.) com o objetivo de explicar a sua predileção por "infelizes que escandalizam a sociedade".
O título ?Lucíola? vem de um inseto que vive na escuridão à beira dos charcos, e que brilha com uma luz muito intensa (Lúcia vivendo num mundo podre, mas com alma pura).
A personagem é cativante e bem construída e as discussões que o livro traz são bem importantes. Só acho uma pena a ideia de que, por ter vendido o seu corpo (para ajudar a família), Lúcia já não merecia um final feliz e que, por culpa de um amor, ela deixasse de ser uma mulher poderosa (embora vazia) para se tornar submissa, melancólica... Não podemos dizer que a vida dela piorou, mas esse amor não a fez evoluir. A tal pureza teve como consequência a morte (porque Lúcia não queria tirar o filho com Paulo do ventre). Tudo muito triste.