Cley 30/09/2019Nossos sentimentos são verdadeiros ou somos influenciados a sentir o que o outro sente? Será que pode haver indução? Quais são nossos sentimentos verdadeiros? Quem somos? Até que ponto nos afastamos daquilo que realmente somos para se encaixar em uma sociedade que aparenta saber tudo, mas que, ao mesmo tempo, não sabe nada e só há repetições e repetições?
É nessa sociedade caótica que um morador de rua some e seu colega procura ajuda da polícia. Com previsibilidade, o colega desesperado não recebe a devida atenção, mas, para sua sorte, o detetive Artur Veiga fica curioso e decide investigar e solucionar o caso.
Conhecemos também Matias Dália, um renomado dramaturgo que tem dificuldades para estabelecer relações com seu filho e sua esposa e nesse ínterim, é apresentado outros personagens que são relevantes em uma história que desafia nossa maneira de enxergar as coisas.
"O maior poder da luz não é o fato de iluminar o caminho, mas sim a capacidade de cegar tanto quanto a sua falta."
O desaparecimento de um morador de rua se torna o estopim de algo muito maior. Ávila monta um quebra-cabeça que incomoda e toca na ferida. A premissa desse livro ajusta-se às denúncias a uma sociedade que se nomeia acolhedora, justa, porém se torna omissa em situações que merecem reparos.
Intuitivamente, podemos pensar que há desconexão no enredo devido às muitas personagens, mas, o autor soube muito bem o que estava engendrando, e o resultado é surpreendente.
Artur Veiga é um personagem sagaz e determinado. Para ele, a resolução de algo não está contida em coisas eminentes, mas nos detalhes, naquilo que ninguém dá a devida importância.
Observar esse personagem tão atípico, em uma nova história, sem dúvida me fez admirá-lo e respeitá-lo ainda mais.
Os personagens secundários são construídos de forma espetacular, conhecemos seus medos, anseios e expectativas. E esperança de que algo bom irá surgir.
A narração onisciente me deixou a par de muita coisa, mas, ao mesmo tempo, ansioso em querer saber como determinadas coisas iriam proceder.
É sensacional a sagacidade que o Ávila possui em desenvolver cenas aparentemente triviais, mas que se transformam em cenas chocantes e perturbadoras.
Uma obra que nos leva a refletir sobre uma sociedade que está cada vez mais mecânica, que cumpre a tarefa de impor, fazendo-nos adequar aos parâmetros ditos como "aceitáveis" ou "não aceitáveis". Uma verdadeira ilusão mascarada para que pensemos que somos livres. Livres para sentir o que quisermos, falar o que quisermos e agir como quisermos. Se você parar e refletir chegará a uma conclusão. Afinal...
"Vivemos em uma sociedade que se ergueu sobre o pilar da barganha burra da minha liberdade em troca da sua."