Carol 09/08/2018
Pequeno em tamanho, grandioso em significado
Não sou de resenhas, mas este pequeno livro merece ser lido, assim como tantos outros que, se não caíram no esquecimento, são desacreditados por não chamarem tanto a atenção em uma vitrine, seja por seu design gráfico simplista e “cru”, ou devido ao seu pequeno formato. O fato é que não se deve julgar um livro por sua capa, e o tamanho também não deve servir de base para o julgamento.
Os personagens da peça do aclamado dramaturgo norueguês Henrik Ibsen (1828- 1906) são Nora Helmer e Torvald Helmer, aparentemente apaixonados, casados e pais de três filhos pequenos – Ivar, Bob e Emmy, os quais são deixados de fora das cenas em grande parte da trama, aparecendo apenas para reclamar alguma atenção da mãe. A família, que passava por uma grande turbulência financeira, começa a se reerguer dada a ascensão do marido no trabalho como diretor de um banco, e, por conta disso, discutem muito os gastos, em especial porque Nora quer ter o mesmo padrão de vida das demais pessoas com quem se relaciona, isto é, o modo de viver da classe média alta. Por mais dificuldade que estejam passando, o que realmente importa para o cônjuge é a reputação e a dignidade, principalmente para Helmer, um advogado rígido e cheio de princípios.
A história é dividida em três atos, e cada um se passa no mesmo local: o apartamento dos Helmers, especificamente na sala de estar. Além do casal e dos filhos, fazem parte do enredo a independente Cristina Linde, amiga de infância de Nora, recentemente viúva e a procura de um emprego, o querido Doutor Rank, grande companheiro de Torvald e um amigo próximo à Nora, e, por último (mas não menos importante), o odiado e julgado Nils Krogstad, um subordinado de Torvald, ameaçado de demissão pelo então diretor do banco, e que guarda consigo um grande segredo de Nora, podendo ocasionalmente destruir a tão limpa reputação dos Helmers.
Antes de casar-se, Nora vivia com o pai. Ela era a filha-boneca e seu pai era metido com negócios “mal vistos” [isso diz o Helmer, eu não pude constatar a veracidade dos fatos pois o pai não entrou na história diretamente], até que este veio a adoecer e pai e filha se encontraram em um beco sem saída, uma vez que estavam sem recursos financeiros para arcar com as despesas médicas. A filha, em um momento de desespero, acabou precisando falsificar a assinatura do pai em uma promissória dada por Krogstad a fim salvar a vida do ente querido, cometendo desta forma o crime de falsidade ideológica.
Passaram-se alguns anos, e o fantasma de Krogstad volta a aparecer, desta vez para ameaçar Nora e a reputação dos Helmers. E como ele ameaça? Bem, para começar, Nora assinou a promissória e datou um dia após a morte de seu pai. Ou seja, como um morto poderia assinar uma promissória? Pois é! Apesar de trabalharem juntos, Krogstad e Helmer não se dão muito bem, especialmente porque Helmer, por seu senso de justiça aguçado, não quer se meter com alguém que possui a péssima reputação de quem falsificava assinaturas. Por ordem do destino, ou mera casualidade, este é o mesmo crime de sua venerada esposa, sua “bonequinha”. E se Torvald julga mal Krogstad, terá que julgar mal a Nora também.
No meio de tanta confusão, temos a presença de Doutor Rank e Cristina Linde, os dois sempre aparecendo para apaziguar e ajudar. Cristina é amiga de Nora, mas, diferentemente da amiga, ela é forte e independente, ao menos era independente financeiramente antes de casar-se (casou por necessidade, devo ressaltar) e sempre trabalhou para sustentar a sua família. Já o Doutor Rank… bem, ele não teve lá grande aparição, apesar de ter revelado estar próximo a morte e, levado pelo sentimento de “não ter nada a perder”, resolver abrir seu coração para a esposa do melhor amigo, revelando seu amor proibido e unilateral. Dado as circunstâncias, a mulher amada recusa seus sentimentos e o julga descarado por falar abertamente de seu amor “imoral”. Mesmo assim, os dois optam por continuarem convivendo sem ressentimentos e sem trazer a tona o assunto. (Esse é o cenário e o contexto, o resto vocês podem saber lendo a obra - o que eu super recomendo! )
[Seguirei com minha opinião, já que detesto dar spoilers demais…]
Gente, a evolução da Nora foi sem igual. Pensei em não ler mais essa obra após o primeiro ato. Me chateava muito a forma como o marido tratava a esposa, como se ela fosse fútil/'cabecinha de vento' por livre e espontânea vontade, e uma das frases que o [idiota] Helmer vivia falando era “você é bem mulher mesmo”, afinal de contas, o que é “ser bem mulher”? Nora foi vista como ignorante durante toda sua vida, não apenas por seu marido, mas por seu pai também, que a educou para ser uma bonequinha, uma cotoviazinha, perfeitinha, um passarinho na gaiola, até o momento em que ela abriu os olhos e ouvidos, e escutou de seu próprio marido a acusação [infundamentada] que, devido a seu erro passado, os filhos automaticamente iriam se transformar em criminosos quando crescessem, até porque a teoria do [embuste] Torvald era a de que “quase todo criminoso, tem uma mãe desonesta”, resumindo, tudo era culpa da mãe.
Felizmente Nora abre os olhos e manda esta bomba para seu marido, após receber diversas acusações e uma tentativa de “domesticação’:
[...] Eu acredito que antes de tudo sou um ser humano, exatamente como você é ou, pelo menos, devo tentar me transformar nisso. Eu sei muito bem, Torvald, que a maioria das pessoas lhe daria razão, e que essa é a opinião que se encontra nos livros. Mas eu não posso mais me contentar com a opinião da maioria das pessoas nem com o que está nos livros. Eu tenho que pensar por mim mesma, se quiser compreender as coisas. (2003, p. 180-181).
Muito que bem, não é mesmo?! Certíssima, falou tudo, linda!