Lucas 23/02/2023
Breve e leve: o primeiro trabalho literário do paraibano José Lins do Rego
Quando o leitor se deparar com Menino de Engenho (1932), um pequeno livro com uma proposta encantadora, ele terá nas mãos a primeira obra do paraibano José Lins do Rego (1901-1957). Só por este rótulo a obra já vale a leitura, porque se está falando de um dos melhores escritores nordestinos de todos os tempos e um dos principais símbolos do movimento literário do regionalismo que surgiu no Brasil na década de 1930 e legou à eternidade vários e inesquecíveis trabalhos literários.
Lançado a partir de uma publicação financiada pelo próprio José Lins, Menino de Engenho é escrito em primeira pessoa a partir da narrativa do jovem Carlos Melo, que conta a sua vida a partir dos quatro anos de idade. Após passar por uma experiência aterrorizante com seus pais (e ficar órfão de mãe), a criança sai da cidade grande (no caso, Recife) para ser educado pelo avô materno, o coronel José Paulino no interior da Paraíba, próximo de Pilar, terra natal do escritor. O coronel era um importante cidadão das redondezas porque ele possuía um grande engenho para fabricação de açúcar.
É diante desse choque do garoto retraído e traumatizado com a vida no interior, marcada por toda uma estrutura social e econômica própria, que Menino de Engenho se desenvolve. O título, aliás, parece servir como um contraponto à alcunha "senhor de engenho", a qual designava grandes latifundiários que trabalhavam com cana-de-açúcar. No âmago desse contraponto, está a inocência do menino, cuja percepção não era capaz de entender todos os aspectos e influências econômicas daquela estrutura, bem como da consolidação (baseada na escravidão) dos engenhos como atividade econômica. Esta inocência era de conhecimento de José Lins, já que vários traços da sua biografia confundem-se com a trajetória de Carlos Melo (a orfandade e a criação e contato com os engenhos do avô, por exemplo).
Entretanto, José Lins não vai por esse caminho. Menino do Engenho é puro e inocente sem ser lúdico ou parecer um conto de fadas. Seus quarenta capítulos curtos são "redondos", não deixam nada para trás e tudo se resolve. Neles, Carlos conta suas peripécias com outros garotos da fazenda e alguns primos, sempre sob o olhar fiscalizador das suas tias, Maria (irmã mais nova de sua mãe) e Sinhazinha (cunhada do seu avô). Trata-se, portanto, de um enredo simples: é claramente o livro de um escritor estreante, que valoriza a autenticidade e não gosta de correr riscos em temáticas mais rebuscadas (totalmente diferente de Fogo Morto, por exemplo, livro de 1943 que se aprofunda mais em nuances psicológicas e individuais de cada um). Dada esta simplicidade e seu tamanho reduzido (cerca de 150 páginas na maioria das edições), detalhes da narrativa podem ser evitáveis numa resenha, mas valem menções ao capítulo que trata da enchente do rio Paraíba, às histórias lendárias da velha Totônia, à existência de um possível lobisomem nas redondezas, entre outros momentos marcantes.
Simplicidade está longe de ser sinônimo de pobreza e José Lins do Rego é a prova literária disso. Mesmo que ele não aborde temas tão sérios e profundos, neste seu primeiro trabalho podem ser vistas muitas das características que acabaram por simbolizar o seu estilo. Uma singular habilidade descritiva de paisagens, a humanização dos personagens (bons ou maus, seus tipos são humanos, carregando consigo todas as complexidades e eventuais incongruências deste rótulo), forte apego ao que é real, seja por meio de descrições ou figuras que realmente existiram (como o cangaceiro Antônio Silvino (1875-1944), que aparece em Menino do Engenho e em outras obras do autor), entre outros aspectos, correspondem ao grosso da literatura de José Lins. Fica-se com a impressão de que o simples, quando é bem feito, se torna algo lindo. Sua escrita faz pontuais voos (no caso de Menino de Engenho eu diria que esses voos correspondem à recorrente iniciação sexual de Carlos, que lhe exerce uma decisiva influência e é o tema mais sensível do livro), mas seus pés estão serenamente no chão.
Menino de Engenho é, sob esse ponto de vista, uma semente plantada por José Lins do Rego. Além de ter sido o primeiro livro da sua carreira, é a obra que abriu o que o autor chamou de "ciclo da cana-de-açúcar", composto posteriormente por Doidinho (1933), Banguê (1934), O Moleque Ricardo (1935) e Usina (1936). Ademais, aqui se percebe que este estilo supracitado do autor ainda está verde. Seu desabrochar literário viria depois, mas a história de Carlos Melo foi um abre-alas preciso do que José Lins viria a ser e a representar para a literatura nacional: alguém com um talento nato para escrever e compromissado com a sua terra e o movimento regional da literatura do seu tempo. Outra evidência deste raciocínio são as menções a personagens que aparecerão em outros livros seus, como o já citado cangaceiro Antônio Silvino e o engenho Santa Fé de Lula de Holanda e o mestre José Amaro, protagonistas do maravilhoso e também já citado Fogo Morto.
Uma obra simples, que funciona bem, que é recomendadíssima para um público infanto-juvenil (especialmente como um impulsionador de outras obras da literatura brasileira) sem ser infantil e que é "redondinha" no sentido de nada ficar para trás: assim pode ser definido Menino de Engenho. Associe estes aspectos ao seu autor e o leitor terá diante de si um livro leve, de leitura breve e que encanta em praticamente todas as linhas.