Aione 03/03/2022Algum Dia fecha a trilogia de David Levithan formada, além desse, por Todo Dia e Outro Dia. Com tradução de Ana Lima, o livro foi publicado em 2019 no Brasil pela Galera Record.
Em Todo Dia, conhecemos a história de A, um ser que acorda todos os dias em corpos diferentes, sem ter o seu próprio — e em consequência, sem gênero, raça, orientação sexual e aparência definidos. Ao se apaixonar por Rhiannon, A tenta todos os dias reencontrá-la, buscando uma maneira de se relacionarem. Em Outro Dia, a mesma história é contada, mas pelo ponto de vista de Rhiannon, abordando sobretudo a relação abusiva vivida por ela quando conhece A. Em Algum Dia, a história continua do ponto onde parou, um final que havia sido um tanto quanto aberto tanto em relação ao que ainda poderia acontecer entre A e Rhiannon quanto sobre possíveis outras existências como a de A.
Sou apaixonada pela escrita de David Levithan desde que li Todo Dia, há quase dez anos. Todos os seus livros posteriores a que tive contato entregaram uma escrita extremamente sensível, além de uma visão de mundo muito empática, que sempre me encanta. Em Algum Dia essas características mais uma vez se fazem presente, de maneira que finalizei a leitura emocionada e admirando ainda mais o autor.
“Eu me agarrei às minhas histórias ao entender que cada um de nós tem uma multidão de histórias, e que nenhuma delas termina dizendo exatamente a mesma coisa. Cada um de nós guarda ao menos uma história que dói muito para contar. Cada um de nós guarda ao menos uma história na qual somos surpreendidos pela nossa própria força. Cada um de nós guarda uma história que nunca se tornou realidade — a história que mais gostaríamos de poder contar.”
página 162
Em termos de leitura, Algum Dia foi o mais lento da trilogia em minha experiência, sobretudo porque, até certo ponto, fiquei um pouco receosa de qual seria seu desenvolvimento. Como aqui há a aparição de outros seres como A e de, também, um possível vilão, temi que o enredo se propusesse a trazer explicações sobre a condição de A, se encaminhando para um lado maior da fantasia — e com direito à definição de heróis e vilões. Contudo, para meu alívio, não é isso o que está em questão, e a existência de A continua funcionando como metáfora para a própria condição humana, permitindo inúmeras reflexões sociais e filosóficas a partir disso.
A narrativa se alterna, sempre em primeira pessoa, entre as perspectivas de diversos personagens — A, Rhiannon, Nathan e demais seres similares a A —, de maneira a termos uma visão muito completa do enredo. Os sentimentos e conflitos de cada personagem são bastante bem demonstrados, assim como é interessante perceber vivências diferentes das de A. Em especial, o valor da oposição entre A e X se dá pela complexidade que a perspectiva de X traz à trama. Em relação ao romance, mais uma vez David Levithan me conquistou, seja pela intensidade dos sentimentos demonstrados, seja pelas conclusões que tanto Rhiannon quanto A chegam a respeito da relação que dividem. Fiquei maravilhada pelas mensagens de liberdade, respeito e apoio atreladas ao amor, muito mais do que a um sentimento de posse ou a uma condição definida.
Em linhas gerais, Algum Dia foi, da trilogia, o que menos me cativou, mas ainda assim me proporcionou uma leitura repleta de reflexões, como David Levithan sempre consegue fazer. Finalizei o livro emocionada, ciente de que A, Rhiannon e o próprio autor são figuras extremamente especiais, cujos ensinamentos certamente levarei comigo.
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