Oliveira_Rodrigues17 30/07/2023
A sedutora distopia de Huxley
Admirável Mundo Novo é um reflexo às avessas da sociedade moderna. Essa obra sedutora é escrita por ninguém menos que Aldous Huxley. Assim como George Orwell, Huxley faz parte da geração de ouro dos autores britânicos do século XX. Suas obras atravessaram gerações, proporcionando um misto de sentimentos e cativando leitores por todo o globo. Entre as demais obras de Huxley destaca-se “Também o Cisne Morre”, de 1939, “As Portas da Percepção”, de 1954, entre outras. Admirável Mundo novo é popularmente classificado como distopia. O livro é composto de 18 capítulos, sendo narrados em terceira pessoa ora por um narrador onisciente, ora por um narrador coletivo. Há muitos termos técnicos relevantes para o entendimento da obra, mas que acabam passando despercebidos pelo leitor. A história é adaptada na Londres de 1930, carinhosamente em 632 d. F. (depois de Ford). A imersão nesse ambiente fica um pouco prejudicada caso o leitor não conheça o local, principalmente em relação à localização geográfica dos cenários narrados. Nesta Londres retratada por Huxley, a sociedade é dividida em castas, cujo lema é “comunidade, identidade, estabilidade”. O enredo é composto por Henry Foster, membro da casta alfa e funcionário superior da Centro de Incubação e Condicionamento; Lenina Crowne, membro da casta beta e operária do Centro de Incubação e Condicionamento; Bernard Marx, membro da casta alfa e psicólogo no Centro de Incubação e Condicionamento; Jhon e Linda, ambos considerados não civilizados e primitivos.
O livro é impactante ao retratar uma sociedade totalmente diferente, mas, em certo aspecto, semelhante à realidade. O diferencial de Admirável Mundo Novo é justamente a inserção do leitor nessa sociedade com valores diametralmente opostos que, diga-se de passagem, é acaba sendo sedutora. O choque de realidade apresentado por Huxley deixa o leitor inquieto e com muitas dúvidas, mas o autor faz questão de retratar a sociedade real como sendo primitiva, não civilizada e instável. A estabilidade da Londres fictícia de Huxley é possível por meio do controle totalitário, engenharia genética e condicionamento comportamental. O fordianismo é a ideologia dominante desta Londres que se reestruturou após a chamada “Guerra dos Nove Anos”. A casta alfa é a responsável pelo controle totalitário, cujo poder é concentrado na pessoa de Sua Fordenza, Mustafá Mond. A engenharia genética é de responsabilidade do Centro de Incubação e Condicionamento, cujo representante é o Diretor de incubação e Condicionamento (D. I. C.). O condicionamento comportamental é realizado desde a fase embrionária do indivíduo. O destaque do condicionamento comportamental é a utilização da hipnopedia na primeira infância até a fase jovem. Em um primeiro momento, o autor insere o leitor em sua Londres moderna e tecnológica, apresentando seu funcionamento valores. Quando o leitor vai se acostumando com a ideia, são apresentados os problemas dessa Londres perfeita e, ao mesmo tempo, a aversão aos Pueblos primitivos do Novo México. O leitor começa a comparar as duas realidades a ponto de se considerar em um Pueblo almejar a Londres fictícia.
Dos poucos personagens com destaque na obra, o mais complexo e curioso é o Bernard Marx. Marx é um alfa-mais e psicólogo no Centro de Incubação e condicionamento. O trabalho de Marx é utilizar da hipnopedia para condicionar as gerações futuras. Brilhantemente, Huxley construiu Marx como um alfa que não encaixa nos padrões tanto físico como intelectuais dos demais alfas e pior; fez de Marx um alguém que pensa por conta própria. Marx acaba sofrendo com as pressões para se encaixar e ganhar seu espaço e respeito, que por ser um alfa-mais, era de seu direito. Marx é a mola propulsora do clímax da trama. A predileção de Marx pelo diferente fez com que ela conhecesse John. John também é um personagem complexo que desperta curiosidade no leitor. O personagem não cresceu inserido na Londres distópica de Marx, e sim no Pueblo dos primitivos do Novo México. Quando Marx decide levar Jonh para a Londres moderna e civilizada, a ideia é imediatamente aceita por Jonh. Huxley utiliza John para aproximar o leitor, ou seja, alguém inserido em uma sociedade “primitiva, instável e não civilizada” como a de Jonh, para retratar nosso espantado com as atrocidades que ali acontecem, mas que não consideradas normais. Jonh é o leitor entrando em contado com a Londres fictícia de Huxley. Vemos a dificuldade do personagem de se adaptar, mas sua dificuldade não é semelhante à de Marx, por mais que ambos não conseguissem aceitar os padrões e valores da Londres civilizada. Esse coque triplo de realidades entre Jonh, Marx e a sociedade moderna é simplesmente genial. O final de Jonh é estupendamente impecável. Huxley consegue transmitir a emoção da cena como se estivesse sendo reproduzida em uma sessão do chamado cinema sensível de sua Londres.
Admirável Mundo quer passar aos leitores a facilidade que podem ser manipulados e mantidos sob controle. A obra de Huxley é não é esquecida, pois sua principal contribuição para a sociedade real, ou seja, a Londres do século XXI, é a importância de não aceitar os padrões pré-determinados. Admirável mundo novo é semelhante à Corrida dos Ratos; e o soma é semelhante ao dinheiro. Huxley quis deixar esse alerta para o futuro. A frenesi de Admirável Mundo Novo é a frenesi do século XXI. Admirável Mundo novo é uma obra que faz refletir e que desperta no leitos um misto de sentimentos que devem ser digeridos de forma moderada. Há muitos termos técnicos na obra que acabam embriagando o leitor, fazendo com que não perceba os pontos mais simples e importantes que proporcionariam um melhor entendimento da obra. Em certo aspecto esse ponto é um defeito, em outro, demostra o brilhantismo do autor: seu objetivo é justamente embriagar o leitor, numa espécie de metalinguagem, dificultando seu entendimento semelhante ao que ocorre na Londres do século XXI e a burocracia do sistema. Aquela clássica comparação entre Admirável Mundo Novo e “1984” de Orwell é relevante ao passo que caracteriza um esforço intelectual, a fim de esclarecer os perigos de um governo totalitário e do controle de informações.
Por fim, Admirável Mundo Novo desperta a criticidade no leitor. Fazendo uma breve referência a Platão, ao ler a obra de Huxley o leitor é obrigado a sair da caverna e, por esse exato motivo, acaba se espantando não com a luz do sol, mas com a Londres da civilização, da tecnologia e, acima de tudo, da estabilidade. Após conhecer essa Londres fictícia ele se acostuma com ela, ou seja, ele se acostuma com sua luz do sol. O leitor é seduzido pela Londres da civilização, pela Londres do controle de informações e seduzido pela Londres da estabilidade, e no fim conclui que essa Londres sempre existiu dentro daquela caverna que acabara de sair, ou seja, a Londres fictícia é semelhante à Londres do século XXI. Nesse momento o leitor volta a se espantar ao pensar em Jonh e Bernard e sua inquietação com o status quo. Pensa, na verdade, no desfecho desses personagens, principalmente no desfecho de Jonh, uma vez que é o personagem que representa o leito na Londres de Huxley. Enfim, Admirável Mundo Novo é uma obra impecável. Não há uma recomendação para um público em específico. Cabe ao leitor, assim como Jonh e Bernard, buscarem conhecer essa Londres sedutora e familiar.