Davi Natã 28/12/2022
Incrível, incrível - CONTÉM SPOILERS
"Depressa, depressa! (...) Aconteceu alguma coisa! Eu a matei!.(...)
O selvagem teve um sobressalto violento e, descobrindo o rosto, olhou em redor. Cinco gêmeos vestidos de cáqui, cada um segurando na mão direita a ponta de uma bomba de chocolate, os rostos idênticos diversamente lambuzados, estavam em linha, a fitá-lo de olhos esbugalhados.
Cruzaram seus olhares com o dele e arreganharam os dentes ao mesmo tempo. Um deles apontou o doce:
- Ela está morta? - perguntou.".
Curiosamente, essa cena, esse diálogo, e esse capítulo 14 são os que deixaram, para mim, muito clara a essência da sociedade em que John se encontrava (quase como um intruso) naquele momento, um corpo frio, consumista, no qual a vida sequer tem valor, é um simples meio para a finalidade: estabilidade.
Admirável mundo novo me fez dar risada, sentir profunda tristeza e angústia, ficar com raiva, e ficar feliz (feliz em apenas um momento do livro).
Ele retrata essa sociedade insanamente consumista e condicionada em que seres humanos são produzidos e não concebidos, grupos de seres iguais, condicionados desde a infância para desempenhar um papel já preestabelecido nesse corpo social em nome da dita "estabilidade"; uma estabilidade artificialmente construída que retira a possibilidade do vocabulário de quem nela vive.
Eu amei o livro do começo ao fim, amei o fato de existir mais de um personagem com um arco próprio, Bernard, John, Lenina e em certa medida até Helmholtz. Adorei a contradição exposta entre John e Lenina, a quebra de expectativa no capítulo 13, o que Bernard representa dentro da narrativa, e PRINCIPALMENTE OS DOIS ÚLTIMOS CAPÍTULOS.
A conversa entre John e Mustafá é incrível. Desde que ele foi para Londres, senti que passou a representar o leitor ali; uma pessoa de uma sociedade com valores COMPLETAMENTE distintos dos propagados naquele governo mundial mas inserido ali como um "visitante", um espectador que em determinado momento (e principalmente por sua relação com Lenina), se vê inserido naquela dinâmica social e passa a repudiar ainda mais o dia a dia ali estabelecido.
*SPOILER SOBRE O FINAL*
Eu fiquei MALUCO por esse final, estou refletindo muito sobre. Mas na minha visão ficou bem claro que John não imaginava a dimensão do quê ele negava ali, do fato da estabilidade daquela sociedade ser um valor tão supremo e capaz de derrogar tudo que lhe intimidasse, que nada seria capaz de suplantar isso; algo tão enraizado naquelas pessoas que culminou no final dado.
Duas coisas que me deixaram MUITO encucado:
1. O amor que John professava por Lenina e o motivo dele ter enfrentado aquele momento daquela maneira; e se Lenina realmente o amava.
2. O fato de poucos personagens o chamarem de "John", só os mais próximos a ele, todos os demais em Londres se referirem a ele como "O selvagem", inclusive o narrador.
Enfim, gostei muito do livro, muito mesmo. Estou feliz de ter lido.