"Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades", defendia Camões, contemporâneo de Erasmo, mas a loucura reina imutável e suprema. Daí que este encômio da Loucura a si mesma tenha sobrevivido mais de 500 anos desde a sua primeira publicação, em 1511, e seja tão atual hoje quanto no inicio do século XVI, ainda que os seus principais seguidores já não usem batina, mas se apresentem em público de fato e gravata, ou já nem de gravata.
Neste elogio de si mesma, a Loucura apresenta-se sob a forma de uma mulher dirigindo-se a um auditório composto por toda a Humanidade, expondo ao ridículo os vicios e as manias da sociedade do periodo que corresponde à transição da Idade Média para o Renascimento. Nenhuma classe, nenhum uso e nenhum maneirismo são poupados à critica viperina da Loucura. Todas as baixezas são impiedosamente elencadas, para alegria da sua mentora, a inultrapassável oradora deste discurso, a quem todos, de uma maneira ou de outra, prestam tributo e vassalagem.
Numa prosa tão rica quanto sarcastica - aqui vertida diretamente do latim (ao que tudo indica, pela primeira vez), com um irresistivel travo arcaizante, por António Guimarães Pinto, a Loucura celebra a juventude, o prazer e a embriaguez, ao mesmo tempo que critica as pretensões e fragilidades humanas, sobretudo as do clero, classe a que Erasmo pertencia, antepondo essa forma baixa de demência à elevada "loucura" da simples piedade cristă.