Alex 01/07/2023Um contraste desconcertanteEsse livro possui uma contradição tremenda, por um lado uma escrita magistral, por outra, uma temática muito pesada, até posso dizer, repulsiva em alguns momentos. Por isso, acho que a avaliação e a resenha deve frisar isso separadamente.
Sobre a escrita de Nabokov, ela é perfeita. Fluida e envolvente. O próprio autor reconhece que é sua obra-prima. Nas primeiras páginas eu cai na armadilha literária, de torcer pelo monstro (exatamente como em outros livros em que você torce pelo ladrão como em Robin Hood ou Lupin, pelo assassino como em Dexter ou Hannibal, etc.). Mas tão somente até chegar no trecho, em que o protagonista, com todas as palavras, reconhece a monstruosidade do que ele deseja. Pois até ali, por mais errado que seja, o autor fazia parecer um sentimento genuíno. Palmas pro Nabokov, por conseguir isso. Manipulador desgraçado. Esse é o lado artístico r louvável da obra, agora vamos para o lado obscuro.
Sobre a temática ? chegado ao ponto em que ele confessa sua perversão, nasceu um asco do protagonista e desde então eu só segui lendo porque queria saber o qual fim de Lolita.
É interessante, que eu não tenho irmãs, não convivi com primas, não tive esse contato na adolescência, apenas na escola com as colegas, e por isso, não sei o quanto o protagonista fantasia sobre Dolores e sua ?inocente paixão? por Humbert. Ainda mais quando o autor coloca sobre Lolita a pecha de uma pestinha sedutora. E aí, exatamente nesse ponto, é muito pertinente frisar quem narra a história. É a narração de um pedófilo, obcecado e cheio de ressentimentos. É uma narração unilateral, feita na solidão da cela, sem a inclusão de qualquer outro personagem. Logo não dá pra confiar na lisura da narrativa.
Cabe frisar algumas características dessa narrativa, Humbert insere quase que exclusivamente seus pensamentos e sentimentos, são pouquíssimos os diálogos, e quando presentes, são muito breves. Outra característica, é que apesar de sua perversão ele sugere, ele diz sem detalhar, ele faz o leitor supor e imaginar seus atos sexuais. Fazendo uma analogia com o direito, ele narra as contravenções, mas nunca seus crimes.
Me impressiona o quão sórdido o protagonista era: ele sabia o quão errado eram seus atos, reconhecia que estava prejudicando o ?fruto de seu amor?, mas seguia em frente. Isso só se explica como doença, obsessão, ou sei lá o que.
Me pergunto desde o princípio do livro, como o autor conseguiu se colocar na pele do protagonista com tamanha credibilidade? Como ele conseguiu repassar em palavras alguns pensamentos tão sombrios e repugnantes? Como ele conseguiu dar vida a um monstro como H.H? Arte? Auto biografia? Experiência de uma vítima? Enfim, dei uma procurada e só achei que ele foi casado, a vida toda com a mesma mulher.
Por fim, um aviso, esse não é um romance, não é uma história de amor, não há aqui nada de admirável, e o autor deixa isso claro, ele até esfrega isso na cara do leitor desavisado:
?Eu seria hipócrita se dissesse ? e o leitor um tolo se acreditasse ? que o choque de perder Lolita me havia curado da pedofilia.?