AmadosLivros 13/10/2019
Resenha do Blog Amados Livros
"Ao vencedor, as batatas!"
Machado de Assis foi um escritor brasileiro do século XIX, considerado um dos melhores escritores de todos os tempos, e por muitos críticos, o melhor nome da literatura do país. Poeta, cronista, romancista, contista, dramaturgo, folhetinista, jornalista e crítico literário, um homem de muitas qualidades, negro, autodidata, nascido pobre no Rio de Janeiro em 1839, que viu o Brasil deixar de ser império e se tornar uma república, além de presenciar a abolição da escravatura. As suas obras mais conhecidas são os romances realistas, cheios de críticas à sociedade metida e hipócrita de sua época. Um deles, Dom Casmurro, é até hoje um dos mais célebres escritos do autor, que gera discussões e mais discussões a cerca de seu enigma final (se Capitu traiu ou não Bentinho). Ele também foi o fundador e primeiro presidente da Academia Brasileira de Letras. Outras obras muito conhecidas suas são: Memórias Póstumas de Brás Cubas, Helena, A Mão e a Luva, Ressurreição, Esaú e Jacó, e Quincas Borba.
Em Quincas Borba, conhecemos Rubião, um ex-professor do primário que agora atua como discípulo e enfermeiro do filósofo humanita (não confunda com humaniSta) Quincas Borba, o qual já conhecemos antes em Memórias Póstumas de Brás Cubas. Com a morte do seu amo e amigo, Rubião herda toda sua fortuna. A única condição, porém, para que Rubião fosse o herdeiro do filósofo, era que ele adotasse e cuidasse de seu cão de estimação, também chamado de Quincas Borba. Rubião então fica com o animal e decide sair da vida simples em Barbacena - MG para viver na cidade grande do Rio de Janeiro.
No caminho ele conhece e faz amizade com Cristiano Palha e sua esposa Sofia. Com a convivência, Rubião logo se apaixona pela bela Sofia, mas tem muita simpatia por Cristiano, o que o faz se sentir num grande dilema. Sofia logo percebe a paixão que provoca, e começa a utilizar-se disso para envolver ainda mais o milionário. Acreditando-se correspondido, Rubião se declara à amada durante um baile. Sofia depois conta para o marido sobre a paixão de Rubião, mas Cristiano tenta diminuir a ira da esposa, comentando que já devia muito dinheiro ao rapaz. O marido ainda sugere que ela alimente aquele sentimento, para que eles possam continuar a explorar o "pobre" nouveau riche.
Quando o casal de oportunistas conseguem envolver o milionário ao ponto de não precisarem mais dele, Rubião já está louco. Sofia começa a se afastar e recusar suas propostas de passeios, e Cristiano Palha desfaz a sociedade que os dois haviam começado ao criarem uma importadora (na verdade, o que Palha quer é administrar os negócios sozinhos, lucrando sozinho também). Só que agora é tarde, Rubião já está enlouquecido pelo desejo de ter Sofia, que logo percebe o desvario do ex-professor. Sua loucura aumenta na mesma proporção que seu dinheiro se esvai, e então, mais uma vez, Palha assume os cuidados do "amigo" - ou melhor, de seu dinheiro -, e o interna em um hospício. Quando o louco consegue fugir e retornar a Barbacena, se junta ao seu velho amigo Quincas Borba, primeiro ao cão, depois ao homem.
Uma das características mais marcantes de Machado, não só nesse livro, mas nos outros dois pertencentes à chamada tríade realista (Memórias Póstumas e Dom Casmurro), é o fato do autor sempre se intrometer na história. Sua narrativa por muitas vezes sai da 3ª pessoa que só observa e conta os fatos, e vai pra 1ª pessoa, quando começa a conversar e dialogar com o leitor como se estivessem um de frente pra o outro, introduzindo algumas filosofias, metalinguagens e intertextualidades. Esses e outros pontos os tornaram um gênio da literatura brasileira. Sua obra é também carregada de muita ironia e pessimismo, o que torna sua crítica à hipocrisia política e social da classe média e alta da sociedade carioca impiedosa, não poupando praticamente nenhum personagem.
O livro é muito interessante nesse aspecto, uma vez que analisa as relações humanas de forma bastante crítica. Machado mostra como muitas vezes o interesse financeiro é o principal motivo para muitos relacionamentos, principalmente o casamento - há uma crítica ferrenha ao matrimônio. Isso é presença marcante em todas as obras realistas do escritor - mais uma crítica ao romantismo que o precede, onde os relacionamentos eram nascidos do amor e da paixão à primeira vista, uma verdadeira utopia. O autor expõe como, em várias situações, o casamento é promovido apenas por status, e não por amor.
A história de Rubião confirma a filosofia de Quincas Borba, narrada no começo do livro, "os humanitas precisam comer". Palha e Sofia seguem à risca essa máxima, alimentando-se da fortuna e da credibilidade de Rubião. Outra frase célebre do livro é a famosa "Ao vencedor, as batatas!" - a qual quer dizer que os lucros da guerra ficam sempre com os vitoriosos. Rubião, por sua vez, é o derrotado justamente por representar o anti-Humanitas, pois nada em sua vida foi conseguido com luta, e sim por acaso.
Eu li este livro apenas por ser mais uma das quatro obras literárias indicadas pelo vestibular da UESB (já resenhei A Legião Estrangeira AQUI), mas não me arrependo! Não sei porque perdi tanto tempo para ler mais um livro de Machado (só tinha lido até hoje Dom Casmurro). Meu próximo do escritor será Memórias Póstumas de Brás Cubas, de quem ouço falar muito bem (já ri horrores com o filme). Acredito que o medo que as pessoas têm das obras de Machado se dê por causa de sua escrita minuciosa e principalmente rebuscada, além de seus milhares de capítulos (a maioria tem um parágrafo). Nada que um dicionário (se você tiver um e-reader, fica mais fácil ainda) e anos de prática de leitura não resolvam. Boa leitura!
site: http://amadoslivros.blogspot.com/2017/12/livro-quincas-borba.html