spoiler visualizardionisocastro 22/08/2022
Muito horrorshow, meus druguis
Laranja Mecânica é, para mim, uma das melhores histórias de amadurecimento já feitas. Como a maior parte das pessoas, meu primeiro contato com essa história foi a partir da adaptação cinematográfica de Kubrick. E assim, o filme tem muitos méritos, principalmente em relação à direção e à identidade visual, mas não foi um filme que me cativou de verdade.
Grande parte disso é devido à tal da ultraviolência, principalmente aos estupros tão gráficos que foram filmados. Esse é um dos motivos que eu acho que essa história é inadaptável. Claro, mesmo que as mulheres sejam tratadas como menos que objetos durante a história inteira, dá para ver que Burgess teve bem mais cuidado com isso que o Kubrick, que mostrou coisas muito desnecessárias intencionalmente. O livro tem seus problemas, mas em vez de serem resolvidos na adaptação, eles são piorados. As únicas coisas que são amenizadas estão relacionadas às idades dos personagens, porque 🤬 #$%!& , 10 anos é muito novo.
Porém, o principal motivo para eu acreditar que essa história seja inadaptável está no ponto mais alto do livro para mim, que foi a linguagem nadsat. Alex está nos contando essa história, vemos tudo em primeira pessoa pelo seu ponto de vista. Nada mais justo que ouvirmos as expressões que ele fala. A primeira parte do livro para mim foi a melhor. No começo acreditei que seria difícil me acostumar à linguagem, mas confesso que senti falta dela conforme ela foi aparecendo cada vez menos. Causa uma imersão ainda maior, porque a linguagem é um dos maiores mecanismos de controle. Explorar isso na literatura é extraordinário. Tentei usar o dicionário o mínimo possível, até porque a maior parte das coisas é fácil de supor e o que não é, não precisa ser entendido, só sentido. É genial essa história ser um exagero das gangues britânicas, que eu já tinha visto antes quando estava lendo sobre os Beatles e que aqui fizeram ainda mais sentido. Ficou nada menos que perfeito.
O livro depois de enumerar diversas violências praticadas por Alex, acompanha seu tempo na prisão. Nesse momento podemos evidenciar outro tipo de violência, que é a legítima, a praticada pelo Estado. Esse é uma das histórias que fez eu me reafirmar ainda mais como antipunitivista. Porque a verdade é que punitivismo não leva a lugar nenhum. Uma das hipóteses do livro é a ligação da violência com outros prazeres, como a música. Pesou demais para mim quando tiraram a música da vida de Alex. Outra coisa que tenho que ressaltar é a genialidade de ter feito Alex gostar da Bíblia, pois difícil encontrar um livro tão violento quanto.
A terceira parte leva à conclusão perfeita do livro, que o filme tristemente abandona e perde muito por isso. O que leva Alex a desistir da ultraviolência não é o tratamento desumanizador, mas sim a idade adulta. É o trabalho que privou ele de seus maiores prazeres. Isso tem tantas camadas, que para mim fica difícil mensurar. A violência é assim, algo que ele perde conforme amadurece. Ele termina com 18 anos, querendo viver uma vida calma e adulta. Como os adultos que ele tanto criticou.
Com tantas sátiras e críticas à sociedade britânica, acredito que essa parte do livro se perde para muita gente. É um livro sobre adolescência, sobre essa fase turbulenta da vida que te transforma completamente e, no final, te torna parte do que você odiou. Isso foi o que mais me pegou. Alex se tornou um adulto.
Para quem tiver estômago, recomendo essa aventura em meio a uma linguagem tão diferente da nossa, mas em uma realidade tão similar.