Ruh Dias (Perplexidade e Silêncio) 23/02/2022
Já Li
O livro foi recomendado por ninguém mais, ninguém menos que Alice Walker, a autora de "A Cor Púrpura", um dos livros sobre racismo mais celebrados e elogiados do mundo. Ambos nasceram no Sul dos Estados Unidos e escrevem sobre suas experiências com uma sinceridade que é, ao mesmo tempo, dolorida e linda.
"Pesado", publicado em 2018, é um relato autobiográfico de Kiese sobre o relacionamento com sua mãe, a vida acadêmica, o racismo e dismorfia corporal. Não é à toa que o título do livro é o que é, pois de fato se trata de uma literatura pesada. No entanto, o estilo de escrita de Kiese é tão incrível que, sem dúvida, nos ajuda a digerir o que estamos lendo conforme a narrativa se desenrola. Ele nasceu no Mississipi, que é hoje a região mais pobre do país e que detém a maior porcentagem de negros na população.
O peso que Kiese carrega tem vários significados.
Um deles, o maior de todos, é o peso de ser negro nos Estados Unidos. Ele conta todas as dificuldades que viveu (e ainda vive) ao tentar perseguir uma carreira acadêmica em seu país, como ele é tratado com discriminação em relação aos brancos da universidade, como suas oportunidades são prejudicadas por pré-conceitos e julgamentos que as pessoas fazem dele, só pelo fato dele ser negro. Ele também adiciona situações que aconteceram com pessoas ao redor dele, sobretudo mulheres negras, que tiveram que conviver não somente com o racismo, mas também com violência sexual e machismo.
Um outro peso é o relacionamento com sua mãe, e o livro é escrito se dirigindo a ela. A mãe de Kiese é professora de Ciências Políticas e, desde muito cedo, incentiva Kiese a escrever e "a ser mais do que é esperado de uma pessoa como ele". Ao mesmo tempo que tem boas intenções, sua mãe o expõe a uma dinâmica tóxica de relacionamento desde que ele criança, e que cria uma estranha codependência entre ambos. De violência doméstica a presenciar sua mãe fazendo sexo, ao vício em apostas dela, Kiese não deixa nada passar no seu relato.
E ainda temos o peso literal de Kiese, que desenvolve um transtorno alimentar como forma de retomar o controle de sua vida. Ele relata que passou por extremos para emagrecer, coisas como correr trinta quilômetros por dia e passar o dia sem comer para perder gramas e "arredondar" o peso da balança. Ele adquire um prazer doentio por tornar-se menor e ocupar menos espaço, até que estas práticas radicais cobram seu preço e colocam seu corpo em risco.
Seu corpo pesado era visto como uma dupla ameaça para os brancos, por ser negro e por ser gordo. Kiese não podia não ser negro, mas ele podia não ser gordo, e aí direcionou toda a energia de tentar ser quem não era. Chega a doer.
As partes dele com sua Vovó também me tocaram muito, a beleza daquela relação, a pureza que ele só mostrou para ela, e como ela o amava tanto a ponto de tentar protegê-lo da própria mãe. Muito tocante mesmo, me emocionei em várias partes.
E eu preciso falar sobre o fim do livro. Porque ele não existe - é claro que não. Kiese segue na sua luta de ganhar um espaço em uma sociedade que sequer se dá ao trabalho de ouvi-lo e, neste momento, não há final feliz. Nem para ele, nem para nenhum de nós. E é com esse nó na garganta que eu indico essa leitura maravilhosa.
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