Felipe 12/06/2022Medo do mundo. Medo das pessoas. Medo de mim mesmo.>>>>
"-Senão", disse o Senhor das Moscas, "a gente acaba com você. Entendeu?"
Passagens como esta, após uma construção de cena avassaladora fizeram meu coração esmurrar o peito e a respiração nasal ficar inviável! Acabei de lê-lo e estou pasmo. É surreal imaginar que no início, a ilha era um sonho de criança. Água e comida à vontade, sem nenhum adulto, tendo como obrigação apenas brincar. E que no final já nada mais existe, tudo são cinzas e loucura. A construção das cenas chega ser magnífica, certamente a que mais me marcou foi a "calmaria", tanto da tempestade quanto a de Jack oferecendo carne a Ralph e Porquinho, para logo em seguida o céu desabar e a fúria implodir na tribo, culminando no inominável. A conversa de Simon com o Senhor das Moscas é outra cena que me deu calafrios. Aquele sorriso zombeteiro, de quem sabe de tudo mas não contará nada, as órbitas vazias que sustentavam seu olhar, o aspecto mais puro da corrupção. E o que falar do prelúdio da destruição? Do menino com a mancha no rosto que sumiu no primeiro incêndio florestal, ninguém nunca mais o viu depois daquilo... Deveríamos convocar uma reunião, organizar tudo, definir o que é o quê. Sim, a concha, vamos tocar a concha e tudo se acertará, afinal o que somos? Selvagens ou pessoas civilizadas? Simon sempre disse que o monstro existia. Que tínhamos motivos para alucinar de noite, despencar em abismos de desespero e chorar convulsivamente. O monstro é isso, isso que nos tornamos tão rapidamente. De nada serviu ser o primeiro a perceber. Sua lucidez o condenou. A selvageria sempre começa nas menores concessões, e com o tempo, acabamos por nos perder completamente.
Ao pensar que aquela ilha era praticamente o éden, e que a única terefa era manter e maldita fogueira acesa, mas que mesmo assim, nós a transformamos no inferno, fica difícil acreditar que a humanidade ainda tenha esperanças, tendo em vista a ilha como metáfora para o planeta Terra. Isso cai nas "sociedades perfeitas" que o seres humanos não conseguiam viver na Matrix.
Enfim, estremeço a escrever essas passagens ainda com o livro fresco na memória. A crueldade humana pelo visto nunca terá fim, e por isso faço igual a Ralph: Chorarei o fim da inocência, as trevas do coração humano e a morte de nosso amigo mais ajuizado e sincero, Porquinho.
Quero acreditar que não somos maus por natureza, nenhum animal deveria sê-lo. Qual a vantagem evolutiva de maltratar a própria espécie? Talvez uma maior inteligência não seja um traço perpetuador da espécie, sei lá.
Muito se assemelha ao Ensaio sobre a cegueira, ao partir da premissa que sim Saramago, é disso mesmo que somos feitos, metade indiferença e metade ruindade.