Dayana116 31/07/2022Perto do coração selvagem foi lançado originalmente em 1943 e foi o romance de estreia de Clarice Lispector então com 23 anos. O romance foi bem recebido pela crítica da época por sua inovação narrativa e abriu caminho para a publicação de uma vasta obra literária.
O romance de Clarice não segue uma ordem temporal. O texto é construído entre muitas idas e vindas entre a infância da protagonista e o seu tempo presente. O leitor vai construindo o quebra-cabeça a partir dos fragmentos apresentados pelo narrador, que por vezes se confunde com a voz da personagem em foco porque acompanha tudo que se passa na cabeça das personagens.
Através do uso de tempos narrativos acompanhamos a história de Joana: uma criança curiosa, criativa e interessada nas palavras, mas solitária. Durante sua primeira infância morava apenas com o pai, pois a mãe havia falecido. Depois de ficar órfã também de pai passa a viver com uma tia. Contudo essa tia não sabe lidar com a menina e a manda para um internato após a garota roubar um livro na presença da tia e não sentir remorso pelo ato. Mais tarde Joana casa com Otávio. Otávio, por sua vez, também morava com uma tia/prima Isabel e com outra prima, Lídia. Chegou a ser noivo de Lídia, mas rompe o noivado com ela para casar com Joana. Depois do casamento com Joana procura novamente sua prima Lídia e os dois passam a ser amantes.
No vai e vem desses fatos, esse narrador peculiar vai introduzindo os outros grandes temas que inundam a cabeça dos personagens, especialmente de Joana (e desde sua infância), com suas questões que orientam a busca da protagonista: “quem eu sou?”, “o que é que se consegue quando se fica feliz?”, “Como ligar-se a um homem senão permitindo que ele a aprisione?”, “Como impedir que ele desenvolva sobre seu corpo e sua alma quatro paredes?” “Havia um meio de ter as coisas sem que as coisas a possuíssem?”
Nessa busca por respostas a água parece sempre indicar um momento de entendimento para Joana. Primeiro na praia quando percebe que é órfã e no banho quando percebe que chegou a puberdade e acolhe esse corpo novo. De alguma forma a água está intimamente ligada a estes momentos epifânicos de Joana bem como a criação dessa liberdade que a personagem almeja.
Perto do Coração Selvagem é um livro que exige uma atenção focada porque facilmente podemos nos dispersar durante a narrativa quando o narrador navega entre a terceira pessoa no discurso direto e uma voz narrativa a partir da cabeça de Joana e o fluxo de consciência se intensifica passando de uma ideia a outra de forma tão rápida que se o leitor não fica atento pode perder-se. E por isso talvez seja uma leitura considerada "difícil" e não agrade a todos justamente porque exige uma imersão profunda para a melhor compressão do que está sendo narrado, mas nada que não possível a quem se aventure.