Paulo 05/02/2024
Quem tem ideia fixa é louco
Um grandioso romance, considerado a obra literária mais importante dos Estados Unidos, a ponto do autor ter sido chamado de “Homero do Pacífico” por Albert Camus, “Moby Dick ou a baleia” foi lançado em 1851.
Melville se inspirou em Macbeth e Rei Lear, de Shakespeare, para construir o determinado Capitão Ahab, marinheiro experiente que tivera a perna amputada durante uma caça da grande baleia albina chamada Moby Dick. Ahab é o comandante supremo do navio baleeiro Pequod, que conduz de forma tirânica.
Sob o pretexto de caçar baleias devido ao alto valor econômico do óleo delas extraído, Ahab celebra um pacto de sangue com seus marinheiros, fazendo-os compactuar com seu desejo monomaníaco de se vingar de Moby Dick.
Toda a história é contada por Ishmael, intelectual-marinheiro que narra com riqueza de detalhes tudo o que envolvia a pesca de baleias. Nesse aspecto, a obra é um manual da pesca de baleias.
Ishmael nos apresenta detalhes enciclopédicos sobre as baleias, desde a descrição de suas diversas espécies, suas formas de alimentação e reprodução, até minúcias de sua anatomia. Explicita, também, como era extraído o óleo espermacete dos cachalotes.
Além do aspecto enciclopédico-cetáceo, Ishmael descreve também o “estado da arte” da baleia na mitologia, na história e na literatura, revelando o domínio total do tema pelo autor.
As cenas brutais de caça do grande mamífero são entrecortadas com essas descrições enciclopédicas, o que serve para pausar a ação, instruir o leitor e controlar o andamento da narrativa.
Tudo se passa no convés do Pequod e na vastidão dos oceanos, mas não há tédio no desenrolar da leitura. No palco teatral do navio, o narrador apresenta um microcosmo da sociedade de então, com suas relações hierárquicas de divisão do trabalho, conflitos étnicos e a exploração comercial da natureza.
Múltiplas interpretações foram apresentadas ao longo dos anos sobre a obra e sua simbologia. Na visão do Capitão Ahab, a baleia branca simbolizaria o mal do mundo, o que justificaria sua determinação em exterminá-la. Para alguns intérpretes, a obra seria uma crítica ao capitalismo que se desenvolvia às custas da destruição da natureza. Para Carpeaux, Moby Dick é a “epopéia dos esforços inúteis da humanidade contra a natureza”.
Na minha interpretação pessoal, o Capitão Ahab é uma personagem fáustica que caiu na tentação diabólica, irracional e vingativa de querer exterminar o mal do mundo, em sua visão simbolizado por Moby Dick. Ora, se até Deus permite que haja o mal no mundo, como que algum homem poderia modificar essa condição metafísica da realidade? Obviamente, Ahab falha completamente em seu desiderato e leva consigo toda a sua tripulação para a ruína.
Uma outra chave interpretativa que me chamou a atenção é que Ahab persistia em seu propósito insano apesar de todos os sinais e evidências de que seria impossível deter Moby Dick. Ele conversou com outras pessoas que lhe falaram para simplesmente desistir de caçar a baleia e ignorou agouros e presságios que lhe diziam para não prosseguir. Sua ambição desmesurada o cegou para a realidade e lhe causou seu fim.
No mundo moderno as pessoas desistem facilmente de suas metas ao se depararem com a mais leve das dificuldades. Invariavelmente, por não serem minimamente persistentes, fracassam em seus objetivos. Ahab, por outro lado, jamais desistiu. Mas a reflexão aqui é que, em alguns momentos, por mais que tentemos com todas as nossas forças e queiramos muito algo, a vida nos indica que aquilo não nos é devido. Nesses casos, desistir não é fracassar, mas um ato de sabedoria. Talvez aquilo que imaginamos que nos fosse devido seria, na verdade, o que causaria nossa destruição. Saber a hora de desistir de um sonho não é fácil. Mas às vezes devemos fazê-lo, partir para o “plano B” e seguir em frente.
Há ainda diversas outras chaves de leitura possíveis, como é comum nos clássicos universais. Grandiosa em todos os aspectos, Moby Dick é uma obra fundamental da literatura universal.