Stella F.. 16/02/2024
Relato angustiante
O Cemitério dos Vivos
Afonso Henriques de Lima Barreto - 2012 / 240 páginas - Domínio Público
Vemos nesse pequeno relato, incompleto, as angústias do autor ao ser internado entre 1919/1920 no Hospício Pinel em Botafogo, Rio de Janeiro. Essa foi uma de suas internações.
Ele descreve sua entrada, pessoas que já conhecia porque eram amigos do pai, os médicos e enfermeiros, alguns pacientes, seu gosto pela biblioteca, suas vestes, o tratamento que recebe, e as várias alas em que transita. Fala de alguns privilégios que tem por ter conhecimento, e vai falar da sua loucura, do seu vício pela bebida, sua insegurança e a falta de dinheiro que levaram ao vício.
A cada capítulo vai detalhar um assunto, descrever o Pavilhão e o Pinel, um setor que ficou internado (Calmeil), dar conta de seus vícios e loucuras e descrever alguns doentes que conviveram com ele nesse período.
"Não me incomodo muito com o hospício, mas o que me aborrece é essa intromissão da polícia na minha vida. De mim para mim, tenho certeza que não sou louco, mas devido ao álcool, misturado com toda a espécie de apreensões que as dificuldades de minha vida material há 6 anos me assoberbam, de quando em quando dou sinais de loucura: deliro." (posição 7).
O livro possui duas partes. Quando comecei a entrar na segunda parte fui perceber que a primeira parte são relatos soltos, falando sobre determinados assuntos, alguns datados e outros não., tentando relatar minuciosamente o que estava acontecendo no momento, suas impressões pelos doentes, pelos ambientes, alguns assuntos específicos ou referências bibliográficas, talvez para uma pesquisa futura. Nessas primeiras anotações vai citar a família, sua esposa, sogra, uma empregada querida, suas agruras com a bebida e sua falta de dinheiro.
Entramos na segunda parte temos contato com os mesmos dados, em forma de um relato romanceado, de maneira corrente, agora em capítulos, com detalhes, mas não tão minuciosos. Capítulos sobre suas internações, principalmente essa de 1919/1920, sobre como conheceu sua mulher e de como se arrepende de não a ter compreendido, de seu filho que tem dificuldades de leitura, da morte da sua mulher e de suas intuições em relação a ele, da doença de sua sogra, da sua falta de dinheiro, de seu cargo público, citando várias obras, sempre com um viés de crítica social e algum sarcasmo. Ainda vai falar de seu retorno à bebida e de suas experimentações na escrita, em jornais, e em romances. Lima Barreto usa o codinome Mascarenhas nessa prosa romanceada de sua internação.
“[..] não tendo nenhuma ambição política, administrativa, via escapar-se por falta de habilidade, de macieza, a única coisa que me alentava na vida – o amor das letras, da glória, do nome, por ele só.” (posição 121)
Não deseja depender de ninguém, para não ter depois que pagar. Tem uma ideia do que seria sua vida, mas tudo vai por água abaixo, fica deprimido, até se deprecia. Realiza um estudo detalhado dos tipos de loucura, falando criticamente da medicina, da academia, do academicismo exagerado, de como deseja escrever para o povo, em linguagem acessível. Apesar do relato franco e direto, alguns trechos foram herméticos para mim, e por ser uma condensação do relato da primeira parte ficou bastante repetitivo. Talvez se visse os originais da escrita do autor fosse bastante interessante conhecer esse relato angustiante e interessante ao mesmo tempo.
“Decididamente, a mocidade acadêmica, de que fiz parte, cada vez mais fica mais presunçosa e oca.” (posição 28)
Ele descreve em minúcias os vários delírios dos pacientes que conviveram com ele. Temos vários conhecidos do autor circulando pelo hospício, mostrando que qualquer um pode sofrer algum tipo de delírio mental.
Lima Barreto se preocupou em descrevera arquitetura do hospício e suas diferentes alas, usadas de acordo a cada situação em particular: indigentes, epilépticos, leprosos, crianças, sendo os pavilhões Pinel e Calmeil para homens e os pavilhões Morel e Esquirol para mulheres.
Durante sua internação frequentou bastante à biblioteca que encontrou modificada desde sua primeira internação.
“Todos nós estávamos nus, as portas abertas, e eu tive muito pudor. Eu me lembrei do banho de vapor de Dostoiévski, na Casa dos Mortos. Quando baldeei, chorei; mas lembrei de Cervantes, do próprio Dostoiévski, que pior deviam ter sofrido em Argel e na Sibéria.
Ah! A Literatura ou me mata ou me dá o que peço dela.” (posição 18)