Lucas1429 04/03/2023
Para enfrentar a precariedade da vida humana
1. O ESSENCIAL
O Argelino Albert Camus, é um romance que conta uma ficção de uma peste que se alastrou sobre a cidade de Orã, segunda maior da Argélia, onde chegou a morar.
2. RESUMO DA OBRA
A obra é feita em 5 capítulos, tal como uma tragédia de 5 atos:
I - Rieux, um médico tropica em um rato ao sair de seu apartamento. O porteiro, Michel, fica injuriado, isso nunca aconteceu antes. Aos poucos o capitulo vai mostrando os ratos aparecendo mortos aqui e ali. Até que há um acúmulo de ratos mortos por toda a cidade. A esposa de Rieux é doente e vai a outra cidade procurar tratamento, e sua mãe aparecerá para ajudá-lo depois. O porteiro começa a ter sintomas horríveis, e Rieux procura tratá-lo. A doença evolui e o porteiro antes de morrer nos diz "os ratos, os ratos!". A morte do porteiro "abre as portas" da história.
Assim uma tensão cresce na cidade. Indo atender um cliente velho, um vizinho deste, funcionário da prefeitura José Grand pede para atender outro morador do prédio, Cottard, que tentara suicídio. Depois do disso, o cliente do médico vai dizer "eles estão por toda parte, não é doutor?": os ratos são o assunto do momento.
A tensão cresce, aparece o dr. Castel e diagnostica a peste bubônica. É uma epidemia e Rieux convence as autoridades a fechar a cidade. Ninguém entra, ninguém sai.
II - As pessoas começam a lidar com o isolamento, o medo e sensação de prisão. Mães e filhos, parentes, negócios e preocupações em geral foram subitamente separados. As pessoas protestavam, mas nada adiantava. Não há comunicação fora da cidade. Raymond Rambert, um jornalista que procurava uma boa matéria, agora tenta sair da cidade. Procura Rieux para lhe dar o salvo conduto, mas Rieux o alerta que de nada adiantaria, pois as autoridades municipais não aceitariam.
Os ratos diminuem seu volume e a epidemia cresce, crescendo o número de mortos. Além da dor, esse primeiro momento faz a ociosidade geral da população trancafiada na própria cidade encher cafés, cinemas e teatros. Uma ópera itinerante, uma vez aprisionada ali, todas as sextas apresentava "orfeu" de Glück.
Padre Paneloux, um padre jesuíta faz homilias exortando as pessoas quanto ao castigo divino e meditarem a respeito disso, oferecendo um sentido metafísico ao evento como um todo (uma homilia bonita inspirada numa pregração de um pastor protestante em Moby Dyck).
Um jovem Jean Tarrou, dispõe de um diário contando os eventos da cidade ao qual o narrador descreve que tem a maior parte das fontes de sua história. Tarrou se dispõe também a ajudar Rieux no serviço sanitário. Quando conversaram sobre a homilia de Paneloux, Rieux revela a declaração principal para entendimento do livro:
"Como todas as doenças. O que é verdade quanto aos males do mundo é verdade quanto à peste. Poderá elevar alguns, contudo, vendo a miséria e o sofrimento que origina, só um doido, cego ou covarde se resignaria à peste."
III - Vítimas são numerosas. A festividade ociosa acaba. São tantas vítimas que as pessoas enterram as pessoas em valas comuns como animais... "tinha-se sacrificado tudo à eficácia". A cidade toma medidas para prevenir rebeliões e saques. As pessoas começam a ficar desesperançosas e as mortes continuam crescendo.
IV - Todos estão exaustos com a situação, sem pressentir quando será o fim da peste. O Jornalista Rambert, que até agora tentava por todos os meios possíveis sair da cidade, consegue com contatos escusos de Cottard uma possibilidade. No entanto, "converte-se" no último momento, e apresenta-se a Rieux como voluntário para ajudá-lo diante da peste.
Enquanto isso, dr. Castel tentava isolar bactérias da peste de Orã tentado realizar uma fórmula de antídoto, uma vez que o soro mandado de Paris havia falhado... com o resultado negativo o ponto mais baixo da obra é atingido. Rieux que estava forte até agora, fraqueja. Tentaram em vão salvar uma criança e Rieux diz "não posso mais suportar isso".
Quando chega a conversar com o Padre Paneloux a respeito da morte de uma criança inocente, também protesta "recusarei até a morte amar essa criação que tortura crianças" ao que replica Paneloux "agora entendo o que se chama graça", uma vez que via a ausência dela em Rieux.
Jose Grand se infecta, parecia perdido e para a surpresa de todos se recupera... ratos começam a reaparecer.
V - A peste regride com a chegada do inverno. Mas houve ainda algumas vítimas, entre elas Tarrou, que lhe confia o diário com os relatórios da peste. Morreu "como se uma corda essencial tivesse se rompido" e Rieux não chorou, e pediu que sua mãe não chorasse, ainda que terrível era a mesma dor vivida em toda a peste que eles já sofriam a tantos meses.
Os ratos, gatos e cães reaparecem, uma aparente normalidade cresce na cidade. Um mês depois as portas da cidade se abrem. O narrador da história revela-se Rieux só no final, concluindo que as pessoas podem sentir que estão finalmente livres do mal que passaram, mas não se esquecerão da precariedade da vida humana. Em qualquer dia a peste pode acordar os ratos para irem morrer novamente numa cidade feliz.
3. CRÍTICA
Tal como numa tragédia grega que aparece o destino regendo a vida humana com situações incontornáveis, A Peste trata do absurdo sem sentido que pode ser a vida humana.
Com uma descrição genial e sem saltos, uma peste aparece e desaparece de cena sem qualquer razão aparente, fazendo um teatro obscuro e rindo-se das personagens que sofrem e morrem na cidade.
Camus, como existencialista, expõe num romance as suas ideias. No mito de Sísifo, propõe que na falta de sentido da existência humana, há 4 posições possíveis para reagir a essa condição:
I - Suicídio, pois se nada faz sentido, simplesmente saímos de cena
II - Adaptar-se "dançando conforme a música" caótica do mundo sem sentido
III - encontrar um sentido transcendente que explique a situação presente
IV - enfrentar de frente o absurdo da vida, sem rodeios
Os dois primeiros sentidos são encarnados por Cottard na história, que uma vez tenta suicídio, mas não conseguindo, se alegra no caos da cidade diante da peste. Padre Paneloux é quem toma a posição do sentido transcendente, Rieux, Tarrou e Rambert, após sua conversão, são os que tomam a quarta posição, que é a que Camus professa como a melhor entre as quatro.
4. E DAÍ?
A obra tem uma descrição genial de qualquer vicissitude calamitosa que podemos passar na vida humana. Penso, como Padre Paneloux, que Camus não compreendeu bem a ideia da resignação cristã, como disse o padre a Rieux, que entende o que é a graça porque vê a vida desgraçada que a personagem vivia. Por outro lado, faz um quadro claro do sentir humano no século XX, isto é, como o homem deste século costuma encarar as coisas, e nós não somos lá muito diferente deles.
Muitos dizem se tratar de uma alegoria da II Guerra Mundial, especificamente da invasão alemã à França, mas acredito que está mais fielmente como uma explicitação em romance das ideias do Mito de Sísifo e O Homem Revoltado, muito atraente por sinal.
Demonstra o homem da sociedade moderna: um revoltado metafísico, que se revolta dos problemas da existência e deseja como disse Rieux "ser santo sem Deus", uma vez que se entedia e não aceita qualquer sentido metafísico da existência. Independente disso, a grande mensagem ilustrada muito bem neste livro é justamente é "há neste mundo flagelos e vítimas e que é necessário, tanto quanto possível, recusarmo-nos a estar com o flagelo".
Por isso mesmo na crítica de Otto Maria Carpeaux, A Peste não é uma alegora: eleva-se a símbolo. Afinal, flagelos aparecem e se vão sempre na vida humana, como na obra, sem razão aparente, e cada um de nós reagirá de um modo diferente para elas. A obra ilustra assim a fragilidade de nossa vida e as condições de um "destino" que faz parecer pregar, muitas vezes, uma piada de mal gosto em nossa vida.