Elaine 19/06/2013
Um homem de alma agreste
Esse talvez foi um dos livros mais sinceros que já li. Isto porque o protagonista e narrador, Paulo Honório, desfia sua vida de modo direto e duro, sem se ater a descrições minuciosas. São digressões de um homem forçado a escrever, para quem sabe entender-se.
Depois de tentar construir o livro com uma divisão de trabalho entre ele e seus amigos, o que não traz resultados satisfatórios, Paulo Honório ouve o pio de uma coruja e decide recomeçar a escrita, levado por uma força quase mística.
"Tenciono contar a minha história. Difícil. Talvez deixe de mencionar particularidades úteis, que me pareçam acessórias e dispensáveis.(...) De resto isto vai se arranjando sem nenhuma ordem, como se vê."
(pág. 11 e 12)
Assim, Paulo Honório nos conta sua vida. Ele teve uma infância e adolescência difícil, trabalhando no eito. Seu único desejo era se apossar da fazenda S. Bernardo, o que conseguiu à base de algumas trapaças. Até certa parte do livro, ele narra como conseguiu a fazenda, sua luta para cultivar as terras e as discussões políticas da época.
Os personagens secundários aparecem constantemente, mas não têm uma grande importância. A história gira em torno de Paulo Honório, de S. Bernardo e dos pensamentos do protagonista. E, como ele próprio explica, há fatos suprimidos, pois Paulo escreve o que acha interessante.
Na outra parte do livro, conhecemos mais a fundo sua rotina familiar. Paulo casa-se com Madalena, uma professora, com o intuito de formar uma família. Ela, uma mulher inteligente, logo vê as injustiças sofridas pelos empregados da fazenda. Quando Madalena tenta mudar a situação, seu marido não entende. Ele não aceita mudanças, seu meio sempre foi aquele: o patrão sempre pôde tudo. Sua rudeza foi causada pelo ambiente.
Tudo piora ainda mais quando Paulo Honório começa a desconfiar que Madalena o trai. A dúvida (imaginária) passa a atormentar a ambos e as pessoas que os rodeiam. Nesse período nasce seu filho, por quem ele não sente absolutamente nada.
Paulo Honório afasta todos e termina sozinho, o pio da coruja a acompanhá-lo. O retrato que traça de si é triste. A ironia é que ele, que sempre achou os livros desnecessários, escreve para poder acabar com a solidão dos 50 anos. E quando revê sua existência e todos os seus erros, percebe que só restou um vazio.
"O que estou é velho. (...) Cinquenta anos gastos sem objetivo, a maltratar-me e a maltratar os outros. O resultado é que endureci, calejei, e não é um arranhão que penetra esta casca espessa e vem ferir cá dentro a sensibilidade embotada."
(pág. 216)