Erebin 24/09/2024
Eh, oh, oh vida de gado
Na pequena (nem tanto, pois ainda é maior que a minha cidade) e gaúcha Antares, coronelismo, brigas políticas, vigarices, hipocrisia, absurdos, devassisão e conservadorismo rolam a solto. Tudo é escancarado nas páginas dessa obra prima de livro, e é simplesmente interessante demais acompanhar tudo!
No início, quando vi a proposta da primeira parte do livro, de ser um relato da história de Antares e de acontecimentos anteriores a história principal, fiquei com um pouco de receio, pois pensei que seria chata e maçante. Felizmente, estava bastande enganada! Já nas primeiras páginas ri muito, de uma forma que há tempos um livro não me fazia achar tanta graça.
O livro é bem humorístico; o estilo parece ser de achar graça no rídiculo, com críticas geniais. Os personagens deixam tudo ainda melhor, são caricatos, mas muito longe de serem incompletos. Há figuras que só o conceito, a ideia delas já é encantadora (e na maioria das vezes trágica).
Quero registrar que li esse livro em um momento bastante oportuno, pois:
1° Eu estava passando pela *greve* das Federais
2° O desastre no RS chamou minha atenção para a região
3° Estava pensando em escrever uma história que envolvesse mortos inquietos e queria ver diferentes formas de abordar o tema
4° Sou de uma cidade pequena e vi poderia me indentificar com os antarenseses (demais kkk)
Por último: o livro é cheio de piadas de 🤬 #$%!& ?; padre Pedro-Paulo é um querido; Barcelona melhor de todos; e há gente que é melhor como morto do que como vivo.
"Nesse momento de susto e angústia coletiva, um cético gaiato, desses que costumam menosprezar a terra onde nasceram e vivem, murmurou: 'A troco de que Deus havia de começar o Juízo Final logo neste cafundó onde Judas perdeu as botas?."
"Os dois homens estacaram de repente, frente a frente, olharam-se, mediram-se da cabeça aos pés, e foi ódio à primeira vista". (24)
"-- Tenho a política no sangue
-- Política e sífilis."
"O que ele não sabia era que o pe. Pedro-Paulo também mantinha um diário em que o nome dele, Martim Francisco Terra, agora começava a aparecer com frequência, e sob a mais favorável das luzes. A primeira nota que o sacerdote fez no seu jornal sobre o professor começava assim: Creio que hoje descobri um irmão."
"Pense na História e me diga quando, em que tempo o ridículo não andou de braço dado com o sublime. Acho que vamos entrar numa era de denúncias. Será a 'hora do dedo-duro'. Teremos uma caça às bruxas. E eu sou geralmente considerado uma bruxa!"
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"Não te iludas. Nem numa ilha deserta poderemos fugir à História. Um dia, quando estiveres estendido na areia, nu e comendo a tua banana gratuita, um país qualquer que está querendo entrar para a "família nuclear", testará uma bomba atômica e te levará pelos ares em pedaços..."
"-- E o nosso Érico Veríssimo?
-- Nosso? Pode ser seu, meu não é. Li um romance dele que fala a respeito do Rio Grande de antigamente. O Zózimo, meu falecido marido, costumava dizer que por esse livro se via que o autor não conbece direito a vida campeira, é "bicho de cidade". Há uns anos o Veríssimo andou por aqui, a convite dos estudantes, e fez uma conferência no teatro. Fui, porque o Zózimo insistiu. Não gostei, mas podia ter sido pior. Quem vê a cara séria desse homem não é capaz de imaginar as sujeiras e despautérios que ele bota nos livros dele.
-- A senhora diria que ele também é comunista?
D. Quitéria, que mastigava uma broinha de milho -- e mais que nunca parecia um pequinês --, ficou pensativa por um instante.
-- O professor Libindo costuma dizer que, em matéria de politica, o Erico Verissimo é um inocente útil."
"-- Estou lhe prevenindo que não são pessoas da sua classe...
-- Bobagem! Morto não tem classe. Além disso, estou curiosa para ver a cara desses viventes, quero dizer desses mortos."
"Cícero cita:
-- A vida é um longo hábito...
-- A vida é um vício --- diz Barcelona.
-- No meu caso -- murmura o professor de piano -- um vício solitário e triste."
"Apresento-me. Doutor Cícero Branco. 🤬 #$%!& póstumo". ?
"Apodrecer é o destino de toda carne... o que é uma bela frase". ?
"Você foi enterrado vivo!"
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"Não. Sou um defunto legítimo e portanto estou livre da sociedade capitalista e dos seus lacaios como você, seu canalha ordinário, bandido, assassino, filho duma grandessíssima puta!"
QUEBRA TUDO BARCELONA
"Faz meia-volta, encaminha-se para a porta, sai para o corredor e, quando começa a atravessar o pátio, os soldados da guarda, agora entrincheirados no parapeito da galeria, começam a atirar com seus mosquetes contra ele. Sem acelerar o passo, sorrindo e jogando beijos com os dedos para um lado e outro, Barcelona dirige-se para a porta da rua, sob os fogos cruzados". ?
"--Diga logo o nome sem medo. Puta, não é? Pois para mim não vejo muita diferença entre as duas. Mulher sempre mereceu todo o meu respeito, independentemente de sua profissão e da sua condição social." (263)
"Diz pra Deus que me dê uma boa morte, já que não me deu uma boa vida".
"Vossa repulsa e vossa má vontade para com nossos corpos nos outorga a liberdade de dizer o que realmente pensamos de vós".
QUE COMECE O CABARÉ ?????????
"Assim, para as pessoas de idade como nós, morrer não é apenas uma fatalidade biológica como também uma espécie de obrigação social".
"-- Seu canalha, cachorro, calhorda, porco, indecente! Vou agora partir a cara da minha mulher. Se tu és homem mesmo, vem correndo socorrer a tua amásia. Mas vem armado que eu vou te esperar de revólver em punho e te meter uma bala no meio da testa, estás ouvindo, crápula?
Do outro extremo da linha vem primeiro uma risada e depois estas palavras:
-- Olha, 🤬 #$%!& , proponho um duelo à arma branca. Eu vou de adaga e tu usas os chifres, tá?".
"se a morte é a única coisa absoluta da vida, por que não hei de fazer da minha existência também um fato absoluto?".
"O ovo se partiu contra a testa olímpica".
"Sete anos após aquela terrível sexta-feira 13 de dezembro de 1963, pode-se afirmar, sem risco de exagero, que Antares esqueceu o seu macabro incidente. Ou então sabe fingir muito bem".
Para mim, esse foi o final. O último capítulo de verdade foi simbólico, mas parecia um pouquinho inútil
Também,
"Quer dizer que o professor nunca encontrou um morto que se move, que fala e pensa, como se estivesse vivo? Pois agora tem um aqui na sua frente, em avançado estado de putrefação fisica e moral". (478)