Paloma584 27/04/2020AngustianteUma obra angustiante, com o poder de nadificar o leitor, de abrir seus olhos para o coopertencimento do ser e do nada, pois antes de sermos algo, somos o nada. O livro pode causar estranheza, pois na estranheza descobrimos o nada ao qual pertencemos e, daí, surge a angústia. Assim como li em um livro sobre existencialismo, aqui vivenciei a experiência: eu fui nadificada, eu fui jogada no mundo e me dei conta do meu fardo de ter-que-ser. A partir disso, posso escolher: vou ressignificar minha vida, ou transformar essa angústia causada pela luz que foi lançada em mim, em um sofrimento, sintoma ou medo?
“As pessoas não querem consertar a própria vida. Ninguém quer resolver os próprios problemas. Seus dramas. Suas distrações. Resolver suas histórias. Consertar suas confusões. Porque, nesse caso, o que sobraria? Apenas o grande e assustador desconhecido.”
“Você percebe que nossa desconfiança quanto ao futuro dificulta que a gente desista do passado. Não conseguimos deixar de lado o conceito de quem éramos.”
“Todos aqueles adultos que brincam de arqueólogos em brechós, procurando por objetos da infância, jogos de tabuleiro, CandyLand, Twister, eles estão apavorados. Porcarias se tornam relíquias. Mystery Date8. Bambolês. Nossa forma de sentir saudade do que jogamos no lixo só porque temos medo de evoluir. Crescer, mudar, perder peso, nos reinventarmos. De nos adaptarmos.”
“Como a mudança é constante, você reflete se as pessoas buscam a morte porque é a única maneira de conseguirem finalizar alguma coisa.”: a morte é o que singulariza a nossa existência, pois ela não pode ser terceirizada. Poder-morrer nos mostra que somos responsáveis pela nossa existência e existimos para a morte. “A realidade significa viver até morrer — diz o agente. — A grande verdade é que ninguém quer a realidade.”
Na obra de Chuck Palaniuk, há trechos MUITO reflexivos: “Achávamos que todo esse estudo nos tornava inteligentes. E só ficávamos cada vez mais burros. Os pequenos fatos que aprendíamos não nos deixavam tempo para pensar. Nenhum de nós pensava em como seria uma vida de limpar a casa de desconhecidos todos os dias. Lavar louça o dia inteiro. Alimentar os filhos de desconhecidos. Aparar o gramado. O dia inteiro. Pintar casas. Ano após ano. Passar lençóis a ferro. Para todo o sempre. Um trabalho sem fim. Ficávamos tão empolgados para passar nos testes que nunca pensávamos para além da noite do batizado. Ficávamos tão preocupados com nossos piores temores, esmagar rãs, comer minhocas, venenos, asbestos, que nunca pensávamos no tédio que a vida seria mesmo que conseguíssemos conquistar um bom emprego. Lavar louça para sempre. Polir prataria para sempre. Aparar o gramado. Repetir.” — Ficamos tão fissurados em conseguir diplomas, notas, títulos, que não temos tempo para pensar no quão entediantes e vazias serão as nossas vidas.
Há trechos que remetem aos tempos atuais: “Você pode falar a verdade para as pessoas, mas elas não vão acreditar até a coisa acontecer. Até ser tarde demais. Nesse meio-tempo, a verdade só vai irritá-las e trazer muitos problemas para você.”
“Segundo o agente, o diferencial que faz de você um santo é a intensidade da cobertura da imprensa.”
“(...) se ninguém estivesse testemunhando a agonia de Cristo, ele teria sido salvo? A chave da salvação é chamar muita atenção. O nível da sua personalidade. Da sua audiência. Da sua exposição. Do seu reconhecimento. Dos seus seguidores na imprensa. Do falatório.”
“Você percebe que não faz sentido fazer algo se ninguém estiver olhando. Você pensa, se tivessem aparecido poucas pessoas na crucificação, eles a teriam reagendado?”
“Você nunca viu um crucifixo com um Jesus que não estivesse quase pelado. Nunca viu um Jesus gordo. Ou um Jesus com cabelo no peito. Em todos os crucifixos que você viu na vida, Jesus parece estar fazendo propaganda de um jeans de marca ou de um perfume masculino.”
“você percebe que, se não estiver sendo filmado, melhor ainda, transmitido por satélite para o mundo inteiro ver, você não existe. Você é aquela árvore que cai na floresta e ninguém dá a mínima. Não interessa o que você faz. Se ninguém notar, sua vida vai se resumir a um grande zero. Nada. Uma nulidade.”
“Ninguém vai adorar você se os seus problemas, mau hálito, cabelo desgrenhado e unhas malcuidadas forem os mesmos de uma pessoa normal. Você tem de ser o que as pessoas normais não são. Onde elas fracassam, você tem de prosperar. Ser o que as pessoas têm medo de ser. Tornar-se a pessoa que elas admiram.”
Há relatos sobre a inveja psicanalítica: “As pessoas não conseguem conceber que alguém tenha uma virtude que elas não conseguem conceber em si mesmas. Em vez de acreditar que você é mais forte, é mais fácil acreditar que você é mais fraco. Você é um viciado em masturbação.”
Há alusões sobre as falhas nas tentativas de enquadramento de um individuo dentro na normalidade, exemplificada pelas atualizações do Manual de Diagnósticos de Doenças Mentais: “Os sintomas mudam de edição para edição. Pessoas lúcidas são loucas de acordo com o novo padrão. As pessoas que eram consideradas loucas são a imagem da saúde mental.”
“Você não tem de controlar tudo. Você não pode controlar tudo. Mas você pode estar preparado para a tragédia. Passou uma placa que dizia: Aperte os cintos. — Se você se preocupar com tragédias o tempo todo, é só isso o que vai ter.”
E isso parece bem freudiano, ao mesmo tempo que me lembra o Puer Aeternus: “se nunca fizer sexo, você nunca consegue ter senso de poder. Você nunca tem uma voz ou uma identidade própria. Sexo é o que nos separa dos nossos pais. As crianças dos adultos. É pelo sexo que os adolescentes se revoltam primeiro. E, se nunca fizer sexo, explica Adam, você nunca vai superar tudo o mais que seus pais lhe ensinaram. Se você nunca quebrar a regra do sexo, não vai quebrar nenhuma outra regra.”
Leitura não indicada em época de quarentena.