Lety 19/04/2013
[ATENÇÃO: essa resenha contém alguns spoilers]
Eu, sinceramente, não entendi o motivo do alvoroço em torno desse livro após lê-lo. Acredito que, talvez, esse tenha sido o cerne de todo o meu problema: do que eu ouvi falar sobre a história, eu criei grandes expectativas a respeito dela e, no fim, ela não acabou atendendo a todas elas. Mas, bem, esse não é o ponto que eu quero chegar... Pelo menos, não diretamente.
O livro se propõe a falar sobre as questões – para não dizer dramas – adolescentes. As incertezas sobre a vida, o medo de não conseguir pertencer a algum lugar, a descoberta da sexualidade, de conviver com as diferenças e aceitá-las, entre outros. Também se propõe a tratar de temas ditos polêmicos, como homossexualidade, preconceito, aborto, suicídio, violência, drogas, abuso sexual, pedofilia e... Bem, espero não ter me esquecido de nenhum, porque são muitos. E esse é todo o problema do livro, em minha opinião.
O caso todo é que ele se propõe a falar muito, mas, por fim, não fala quase nada. Eu tive a impressão de que o autor simplesmente joga esses temas dentro do enredo – muitas vezes sem nenhuma coerência – e fica por isso mesmo. Não há um aprofundamento, o que eu acho que tornaria o livro muito mais interessante. E Charlie, o pseudônimo da personagem que se compromete a nos apresentar esse mundo confuso, porém maravilhoso, mas, muitas vezes, cruel, não parece ser o narrador mais adequado para isso.
Não que Charlie seja uma personagem ruim, em todo o contexto; Charlie até tem algumas reflexões interessantes a respeito da vida, mas quando ele realmente deveria falar sobre um ponto, simplesmente passa por ele como se o fato não existisse. Tomo como exemplo quando ele acompanha a irmã na clínica para realizar um aborto. Ele começa a refletir sobre coisas aleatórias e, logo após, sobre a irmã. E ele fala sobre tudo o possível sobre, mas não as prováveis consequências do que ela poderia estar fazendo. Se isso afetaria o psicológico dela. Se quando ela estivesse mais velha e realmente desejasse ser mãe, ela se arrependeria no futuro do que fez, entre outros fatos. O fato de se estar narrando em 1º pessoa não limita a narrativa ao ponto de impedir que se adentre no íntimo de alguma outra personagem, porque se trata apenas de um opinativo do narrador-personagem, que pode ser tomado como uma verdade ou não. E eu senti que, muitas vezes, o autor do livro parecia ter receio de implantar esse mecanismo na história, ou simplesmente se abstinha de tratar sobre isso, já que em todos os momentos que isso poderia ser possível, estávamos diante dos tais temas polêmicos.
Percebe-se que Charlie tem uma inteligência acima do comum – o professor chega a falar isso para ele –, mas isso soa incongruente com a sua forma quase que infantilizada de se expressar nas cartas. Em alguns aspectos, ele não parecia ter 15 anos para mim, mas muito menos. Talvez o trauma que ele carregue do abuso sexual sofrido na infância – que me fez ficar meio perplexa quando esse tema foi simplesmente jogado na minha frente – tenha contribuído para isso, mas, se for essa a impressão que o autor quis passar, é algo positivo, mas não deduzido de forma imediata no texto. Porque você só vai descobrir isso realmente do meio para o final, e a narrativa tornava o texto, muitas vezes, chato, o que não gerava uma empatia com a personagem.
Outra coisa que muito me incomodava era o Charlie chorar constantemente. Sim, o trauma justifica, mas a impressão que eu tive é que o autor tentava passar a imagem de um jovem sensível, emotivo, sincero, e, honestamente, para ser isso você não precisa chorar o tempo todo. Isso gera uma impressão rasa de sentimentos: tristeza, choro; alegria, riso; emoção, choro; e quase todas as que não se encaixam em momentos felizes, choro.
E outra coisa que me incomodou bastante foi relativo ao abuso cometido pela “tia Helen”, sofrido por ele na infância. Não sou uma especialista sobre o assunto, mas, pelo pouco que sei sobre ele, se isso gera um trauma – que é o que se deduz, já que ele passou um tempo no hospital quando mais novo e novamente antes de encerrar o livro – qualquer ação que remeta a ele faz com que a pessoa fique arredia. Então, acredito que o Charlie deveria ter certa limitação a contatos físicos, o que gera mais uma incongruência de por que – raios – ele não recordou do fato quando transou com Mary Elisabeth, ou em nenhum momento se sentiu incomodado com isso. Não é um gesto igual, como aconteceu quando ele iria transar com a Sam, que geraria essa lembrança, porque, ainda que o consciente não se recordasse, o inconsciente poderia indicar aquele contato inicial com a Mary Elisabeth como nocivo e enviar certos sinais de perigo, ainda que inexplicáveis, fazendo com que ele repelisse ela ou não se sentisse à vontade com o que eles estavam fazendo.
Houve, no entanto, uma passagem do livro que eu particularmente gostei muito, no epílogo. Foi quando ele mencionou a história que a médica dele contou para ele sobre os dois irmãos filhos de um pai alcoólatra que tomaram caminhos distintos na vida, concluímos que “somos o que somos por diversas razões” e que “embora não tenhamos o poder de escolher quem vamos ser, ainda podemos escolher aonde iremos a partir daqui”. O que dá a impressão de que nunca é tarde para recomeçar, entre outras coisas mais.
Também gostei de algumas reflexões sobre a vida, de forma geral, que Charlie chega a fazer, pois geram no leitor o mesmo sentimento e impressão. Nesse ponto, o livro passa a ser bem interessante.
Enfim, acredito que seja o bastante para eu considerar o livro como bom. Porque, embora muitas vezes Charlie se sentisse infinito, essa não foi uma história que me fez sentir o mesmo.