Flávia Menezes 06/07/2021
Enquanto os transtornos psicológicos forem tratados como um assunto velado, proibido, o único lugar das pessoas acometidas por eles é de ser “Invisível”.
É tão bom ler um livro quando não se sabe muito (ou até mesmo nada) sobre ele. Apesar do livro já ter recebido uma adaptação cinematográfica, e tenha atores jovens tão famosos que chame a atenção de mais e mais pessoas para assistirem a história, eu não sabia nada sobre ela.
?As Vantagens de Ser Invisível?, do autor Stephen Chobosky, é uma história de muitos pontos complexos, pois trata de assuntos bastante dolorosos como a pedofilia, estupro, drogadição, depressão, e transtornos psicológicos. A narrativa é feita pelo personagem principal, Charlie, através de cartas a um amigo, o qual nunca chegamos a saber quem é, e é através da percepção desse personagem que conhecemos a história.
Logo de início, fica bem claro, pela forma com Charlie se expressa em suas cartas, que o personagem principal é retratado com sintomas claros de um transtorno psicológico, que para mim, se enquadra no transtorno de personalidade borderline. E é aqui, que meu incômodo começou, e foi até o fim.
A história de Charlie é descrita de uma forma bem realista, com sua família disfuncional, seus pais e irmãos com dificuldades para lidar com uma criança/adolescente com um transtorno do qual eles não conhecem muita coisa, seu quadro clínico que surge de um trauma na infância... Todos esses pontos são muito bem desenvolvidos pelo autor, com muita coerência e coesão no texto, e sua linguagem fluída, porém... me gerou um incômodo muito grande por ser mais uma história que encobre a questão dos transtornos psicológicos como se eles pudessem ser ignorados.
Fala-se de estupro, de pedofilia, de drogadição.... mas quando a questão são os transtornos psicológicos, parece que se toca em um tema que precisa ser velado. Mas espera aí? Mais do que falar de estupro? De pedofilia? Não faz nenhum sentido.
Eu entendo que para qualquer pai e mãe, lidar com o comportamento de um filho com um transtorno não seja fácil, porque não existe um manual. Se criar filhos é difícil, filhos com transtornos são desafios maiores ainda, porque eles são uma incógnita. Existe a dificuldade em se comunicar, o cansaço pela fragilidade do vínculo estabelecido, e tantas outras coisas. E até aí, eu posso entender os pais de Charlie.
Mas dar a oportunidade de que Charlie seja um adolescente independente, não quer dizer deixá-lo fazer o que ele quer, com zero supervisão, especialmente sabendo que a forma como uma frustração, ou até uma rejeição, por exemplo, podem atingi-lo, será recebida de forma muito mais traumática, e com consequências muito mais trágicas do que a qualquer outro adolescente. E esse foi o meu ponto de incômodo.
Para o Charlie, um quadro de depressão é muito mais intenso do que para outro garoto, e com o acréscimo das drogas, isso foi potencializado absurdamente. E quanto a isso, eu pergunto: Que amigos são esses que não sabem que um adolescente como Charlie não pode usar drogas? Tudo bem que são adolescentes, e estamos falando da década de 1990, mas vamos lá, nessa época também já haviam informações de que o uso de psicoativos não podem ser combinados com álcool ou drogas. E Charlie já apresentou surtos antes, e tendo ele se consultado com profissionais da área da Psiquiatria, é certo que ele tivesse um medicamento controle. Até porque não é um transtorno que tenha “?cura”?.
E esses pais que não se atentam ao que está acontecendo na vida cotidiana do filho? Que a filha tome decisões sérias sobre a sua vida, e consiga esconder dos pais, eu até consigo compreender. Mas o Charlie? É claro que não seria nada correto que colocassem o filho em uma bolha, e controlassem cada passo dele, mas não perceber que algo de estranho está acontecendo, nem perceber as mudanças nele pelo uso de drogas, e permitir que o filho sempre acabasse chegando aos extremos das crises, é um pouco demais para mim.
Sem contar a questão de que o psiquiatra é retratado como aquele que faz perguntas demais sobre o passado. Existe tanta inadequação na abordagem desse profissional, e por mais que essa inadequação venha da falha de percepção do protagonista, o que restou no final é que foi um profissional que não acrescentou nada. Não ajudou os pais com orientações, e nem percebeu que algo estava acontecendo, antes que fosse tarde demais. Como sempre, um profissional que é alguém que só ouve, e faz perguntas repetitivas sobre o passado. E é isso: enquanto os profissionais da área da saúde mental continuarem sendo vistos como dispensáveis, ou como aqueles que só fazem perguntas, o lugar dessas pessoas que são acometidas por qualquer tipo de transtorno psicológico será o do “Invisível”.
Essa é a minha crítica a história.
Mas, ainda assim, eu preciso dizer que ela não deixou de ser uma boa história, pela linguagem simples, pela honestidade das amizades, pela mensagem da importância que o pertencer tem nas nossas vidas. Isso tudo foi muito tocante, e muito relevante. E é essa parte que faz dessa história, uma grande história, que vale muito a pena ser lida.
Mas espero que a minha visão sobre a parte velada, de como se fala pouco e de forma tão inadequadamente sobre os transtornos psicológicos, tenha lhe mostrado o quanto isso é muito prejudicial. Quanto menos sabemos, menos fazemos para ajudar e para respaldar essas pessoas e seus familiares. E as consequências podem ser até mesmo trágicas. E se você acha que isso é um pouco de exagero, preciso te dizer que infelizmente não é não. Vamos tirar essas pessoas do lugar do “esquisito”, do “invisível”. Se gostamos tanto de falar da importância da inclusão, então, precisamos fazer isso direito, com conhecimento e com muito respeito.