Crônicas Fantásticas 15/09/2020
A Revolução dos Bichos: Um Conto de Fadas
Resenha por Thamirys Gênova
Título: A Revolução dos Bichos: Um Conto de Fadas | Autor: George Orwell | Editora no Brasil: Companhia das Letras | Lançamento: 2007 | Gênero: Fábula política | Nota: 5/5
Desde o final da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), o mundo ocidental experimentou a um só tempo a superação de uma ameaça mortal e o nascimento de uma nova ordem política de disputas. A derrocada do nazifascismo definiu muitos parâmetros políticos importantes, mas também enfatizou a ambiguidade dos vencedores que se uniram em batalha: Estados Unidos da América (E.U.A.) e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (U.R.S.S.).
É justamente nessa mistura de vitória e cisão política que nasce A Revolução dos Bichos: um conto de fadas. George Orwell, um dos grandes nomes da literatura contemporânea mundial, também autor do aclamado 1984, teve sua fábula por muito tempo censurada ou panfletada de formas que ele não imaginava. Sua posição política era socialista, mas isso não quer dizer que o escritor não tinha críticas a como esse modelo de governo foi aplicado no mundo por alguns líderes.
Vamos falar um pouco da sinopse, para contextualizar o lugar de fala de Orwell como autor.
A história se inicia em uma noite, na Granja do Solar, no interior da Inglaterra. Os bichos da fazenda aguardavam o proprietário, Sr. Jones, adormecer para poderem iniciar uma importante reunião. Major, o porco mais renomado e mais velho da turma, havia sonhado com algo e precisava compartilhar.
O suíno narrou como o homem, “o único animal que consome sem produzir”, era extremamente opressor em relação aos animais, e como ele sonhara com um mundo onde essa opressão não existia mais. Como trilha sonora desse sonho, uma canção que aprendera ainda na infância: bichos da Inglaterra, um hino que exaltava a liberdade animal em relação aos humanos.
Toda a granja ficou comovida e convencida de que algo precisava ser feito. Era uma injustiça trabalharem tanto para sustentar os humanos sem nunca serem reconhecidos ou bem tratados. E de fato, não tarda até que todos os bichos se reúnam em um motim para expulsar Sr. Jones da fazenda e assumir o controle do lugar.
No início, tudo parece funcionar bem e todos se sentem livres, donos da própria produção e ao mesmo tempo, felizes em compartilhar tudo com os amigos. Todas as referências aos seres humanos são tratadas como coisas abomináveis e seus hábitos, como sacrilégios; parece ser a era dos bichos. Ao longo do tempo, no entanto, algumas divergências entres os revolucionários começam a aparecer.
Orwell orquestra os elementos tradicionais das fábulas para criticar o regime stalinista, que teria deturpado os sonhos do Velho Major (Karl Marx, nessa metáfora). Por algum tempo, logo após o fim da Segunda Guerra, a obra foi proibida pela acidez das críticas a U.R.S.S. de Stálin, e alguns anos mais tarde, contrariamente, foi usada como crítica ao socialismo, de modo geral, pela oposição aos regimes de esquerda.
É clara a crítica a Stalin, mas igualmente clara é a posição socialista do autor, de modo que entendo que o grande sentido de sua obra é trazer à luz algo que sinto que nossa sociedade de modo geral, mais especificamente a brasileira, esqueceu: o mundo não é feito de dualidades. Tudo na vida tem nuances, pontos positivos e negativos que devem ser honestamente debatidos e melhorados.
Cada vez mais noto que as pessoas gostam dos polos: ou elas ODEIAM um filme, uma celebridade, um político, um youtuber, etc. e atacam essas figuras como for possível, de modo agressivo, às vezes até infundado, ou elas AMAM essas mesmas figuras e encontram alguns motivos absurdos para defender os seus “totens”.
A mensagem de Orwell para mim é simples: sou socialista, mas não idealizo o socialismo. E isso vale para qualquer posição política. Precisamos parar de tratar o mundo como fábula; a realidade é bem mais complexa do que o dualismo permite imaginar. Numa história de mocinhos e vilões, estamos perdendo algum detalhe importante, pois alguma faceta está escondida: qual o motivo da bondade do mocinho? Qual o motivo da maldade do vilão? Quem de fato está sendo prejudicado? São os dois protagonistas ou as pessoas à volta do conflito?
Em resumo, considero a obra de Orwell preciosíssima por ser divertida, bem escrita, envolvente e além de tudo, por fazer uma crítica lúcida aos regimes totalitários como os de Stálin sem desconstruir o seu engajamento aos valores progressistas de esquerda. É uma fábula política que nos obriga a refletir sobre os polos que querem nos fazer acreditar e no fundo, suplantam os nossos direitos durante a briga, manobrando nossos interesses em seus shows retóricos e em suas cortinas de fumaça. Era 1945, mas podia muito bem ser 2019. 5/5, sem mais.
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