spoiler visualizarFred Lopes 20/12/2015
"É possível odiarmos nossos filhos?"
Cruel. Duro. Chocante. Essas são apenas algumas das muitas opiniões que li por aí e não desminto. Precisamos Falar Sobre o Kevin faz total jus à fama que possui e é daquelas obras impossíveis de se passar indiferente. O filme ilustra e traz à tona, o que o livro nos conta de forma mais introspectiva, um tabu: quem é o responsável pelos atos de crianças e adolescentes infratores? É sempre culpa da mãe?
Após promover uma chacina em sua própria escola, Kevin Katchadourian, 16 anos, é preso. A mãe, Eva, vai visitá-lo sempre na cadeia, mas não por ter uma relação com o filho e sim, apenas como cumprimento de um protocolo social. Para desabafar, ela resolve contar sua versão da história, desde o momento em que ficou grávida, passando pelo crescimento do menino, até o dia fatídico.
O livro começa chamando atenção pela narrativa: a história é contada por meio de cartas, onde Eva discorre para Franklin, o marido, sua vida antes de Kevin, durante a gravidez, o nascimento e crescimento do menino, até o dia da chacina. As cartas são escritas com uma certa frieza, onde Eva finalmente encontra uma forma de desabafar e dizer tudo o que pensa, fazendo com que a gente se coloque no lugar da personagem e possa sentir sua dor e sofrimento. Desde o nascimento, Eva identificava um comportamento 'diferente', uma repulsa que seu bebê parecia ter por ela e isso só se agrava durante o crescimento de Kevin. Logo a gente percebe que duas criaturas que se odeiam são obrigadas a viver juntas 24h por dia e que nenhum lado facilita para o outro.
O filme, por sua vez, consegue sintetizar de uma forma, digamos, um pouco mais leve, a obra de Lionel Shriver. Destaco aqui alguns detalhes que chamaram minha atenção, dentre eles, a escolha da arte do filme em se utilizar de cores próximas em algumas cenas, deixando-as quase monocromáticas; o minimalismo e a escolha por poucos diálogos; o uso de cores frias - com exceção do vermelho, que se encaixa perfeitamente nas cenas em que foi usado; e a cena inicial, onde Eva está sonhando que leva um banho de molho de tomate e acorda com o barulho de vizinhos jogando tinta vermelha em seu carro. A partir dessa cena, podemos notar o quanto a personagem é determinada em não deixar que os outros a machuquem mais ainda, mesmo sob o olhar constantemente reprovador e acusador por onde quer que ela passe, mesmo ouvindo insultos, mesmo sendo, inclusive, agredida.
"Só porque você se acostuma com alguma coisa não quer dizer que você goste.
Você está acostumada comigo."
As diferenças entre o livro e o filme não chegam a ser muitas, mas elas existem. Desde o clássico "o livro possui mais detalhes", até cenas de momentos brutais existentes no livro que foram amenizadas nas telas - como o momento em que Eva chega em casa após o massacre que seu filho faz na própria escola para chamar sua atenção. Porém, as diferenças entre livro e filme não chegam a atrapalhar e, na verdade, muitas vezes ajudam: vemos nas telas um Kevin, brilhantemente interpretado por Ezra Miller e por Jasper Newell, mais contido que no livro, nos fazendo ter o mesmo tipo de sentimento para com o personagem em ambas as mídias; também temos uma 'sacada' interessante da diretora, Lynne Ramsay, na cena em que Eva diz que Celia, a filha caçula, terá que usar um olho de vidro após um "acidente", e vemos logo em seguida Kevin mastigando teatralmente uma lichia; uma outra mudança foi, no filme, Eva passar a história inteira limpando a tinta jogada em sua casa, criando uma metáfora para a 'limpeza da alma', algo que ela faz rapidamente no livro e onde tal limpeza é representada pelo redigir das cartas.
Precisamos Falar Sobre o Kevin põe em discussão um assunto recorrente em escolas americanas, os adolescentes que matam colegas de aula, e faz a gente refletir sobre até que ponto uma pessoa pode chegar para receber a atenção necessária. É jogando a realidade na nossa cara que essa obra tenta chamar nossa atenção e é assim que ela consegue marcar seu público. Não é à toa que ambas as obras, livro e filme, foram aclamados pela crítica de diversos países e receberam diversas premiações, dentre elas o Orange Prize para Lionel Shriver pelo livro, e o Prêmio do Cinema Europeu de 2011 para Tilda Swinton pela atuação como Eva Katchadourian, além das indicações ao Globo de Ouro, BAFTA e Cannes.
(Mais uma resenha antiga que resolvi guardar aqui hoje! Na verdade, é uma resenha mistura com uma comparação entre livro e filme.)