Natasmi Cortez 29/01/2024Todo o povo dessa terra quando pode cantar, canta de dorE de guerra em paz
De paz em guerra
Todo o povo dessa terra
Quando pode cantar
Canta de dor
Decidi começar esse breve texto de opinião, trazendo a letra de Clara Nunes, na música ‘O canto das três raças’ que melhor expressa minha experiência com a leitura de Capão Pecado.
Ferréz, um homem que venceu o meio do qual veio, narra em um texto simples, o retrato de vidas marginais. Marginais, pois estão á margem da sociedade, à margem das oportunidades, à margem da esperança.
É uma história de muita luta, de perseverança e fé, mas também de exaustão, revolta e rendição.
Em nenhum momento Ferréz romantiza a vida diária nessa pequena comunidade de São Paulo, pelo contrário, seu texto é o relato frio da violência e da escassez como normalidade no cotidiano de uma gente que já nasceu condenada. Nunca acreditei em meritocracia, mas a falácia de tal termo nunca ficou tão evidente quanto na leitura de Capão Pecado.
Não há heróis nessa história, mas sim sobreviventes. Indivíduos que desprovidos do mínimo, lutam desesperadamente para vencer um dia de cada vez. Há os que resistem e há os que desistem.
A experiência de leitura é pessoal, e parte do social do leitor, das vivências do leitor. A narrativa direta de Ferréz demonstra urgência em contar aquilo que esteve escondido por tantos anos. Não há poesia no texto, apenas a realidade fria e cruel.
Um livro que pode ser lido por todos, que não se esbalda em palavras complexas ou significados ocultos. A vida tal como ela é, talvez não para a maioria de nós que vivemos nessa bolha, mas para uma grande maioria invisível e sem voz.
Ferréz é o elo que liga experiências de vida diferentes. Sua voz denuncia o abondo do Estado, sua caneta retrata que as leis não se aplicam a todos igualmente. Direitos e obrigações possuem valores diferentes e podem ser moldados por quem tem o poder de barganha. Dinheiro. E se você não tem, é só mais uma peça insignificante da engrenagem, daquelas que quando quebram, são rapidamente substituídas por outra.
O tom do livro é esse, de desesperança, de guerra perdida, e foi por isso que pensei na música da Clara. No meio de tanta falta, sobra dor.