Eric 03/12/2022
O futuro é mais para frente, bem mais pra frente
Capão Pecado narra a rotina dos moradores do Capão Redondo, comunidade periférica, localizada na Zona Sul, São Paulo. Aqui, as regras da cidade não funcionam, andar na linha é diferente. A polícia invade para matar, qualquer motivo leva porrada ou um tiro na cara; não tem saneamento, esgoto é céu aberto; difícil é não seguir a vida do crime, já que os empregos formais pagam pouco e não garantem o sustento da família; o crack corrói os viciados desiludidos, dever as bocas e traficantes só tem um resultado: a morte; no Capão Redondo honra ferida é lavada com sangue
Nesse cenário de violência e insalubridade, vamos acompanhar Rael, um garoto que batalha diariamente em seu emprego para ajudar sua mãe empregada doméstica a sustentar a casa, já que seu pai é um alcoólatra que vive caído pelos cantos. Sua vida muda quando se apaixona pela namorada do melhor amigo, a qual retribui essa paixão e vivem no limite do perigo. Além disso, a maioria dos seus amigos que estão entregues aos vícios, roubos e tráficos, dão substância ao enredo e revelam uma rotina onde a juventude tem baixa expectativa de vida.
Neste curto e impactante romance, Ferrez faz uma dura crítica ao sistema que mata. O pobre já nasce com seu destino determinado. Não tem educação para não sentar ao mesmo lado que o filho do rico, entram para o crime em busca de uma renda melhor e prestígio no seu espaço. A desilusão pode ser amenizada com o vício, assim o crack e o álcool entram em ação. A gravidez precoce e falta de assistência médica facilitam o encontro de fetos no lixo. O tráfico e a milícia comandam tudo.
Os personagens desse livro plantam e colhem destinos sangrentos. O desfecho é sensacional, no qual Ferrez constrói um ciclo de violência que termina de forma mais irônica possível: No final, sempre o sistema corrupto é vitorioso.
Capão pecado é uma narrativa bem imersiva, potencializada pela escrita que adota de recursos populares da fala para encorpar a realidade. Também, o autor abre espaços para depoimentos verídicos de populares da região e apresenta uma série de relatos, inclusive do Mano Brown.
Bruto e necessário, esse romance é muito pertinente para se sensibilizar com realidades absurdas de violência e desamparo social. Apesar de ter sido publicado em 2000, 22 anos depois, Capão Pecado continua sendo mais atual do que nunca