Allisson 28/01/2021Capão Pecado, por Ferréz.
Resenha
Obra: Capão Pecado
Autor: Ferréz
N. Páginas: 144
Editora: Companhia de Bolso- Companhia das letras
Edição 1ª (2020)
Gabriel Garcia Marquez termina seu mais conhecido livro afirmando que ?as estirpes condenadas a cem anos de solidão não tinham uma segunda oportunidade sobre a terra?.
33 anos depois Ferréz lança uma obra que sem metáforas escancara o que GGM quis dizer. Capão Redondo é o cenário onde sua única chance tem prazo de validade diário. O maior risco é viver.
Quando você pensa na periferia de São Paulo, o que você à sua mente? Polícia? Vielas? Datena? Casas de madeira, igrejas, falta de saneamento, pessoas morrendo e traficantes armados? Em Capão Pecado, Ferréz te mostra que tem tudo isso sim, mas também tem o café, os bailes, a música, o desopilar, o ônibus lotado, o trabalhador, o cara que só quer viver em paz. A vida lá é essa dicotomia universal e uma guerra sem escapatória fácil, interna, de sobrevivência, e de fora também, com o Estado que quer eliminá-los. Caros, não é estereótipo, é descaso extravasado em realidade.
A narrativa é construída de maneira a te proporcionar ao máximo a inserção no Capão Redondo, distribuindo isto além da descrição detalhada do ambiente, mas também nos diálogos paulistanos e nos apelidos, que Férrez especialmente os descortina, elucidando a ressignificação que eles nos dá. Cada um passa a ser uma característica personificada, a marca que mais chama a atenção nela, a coisificação das pessoas. Há o valor social maior em Bru do que Chocolate? Em Ludi do que Tampa? Kah do que Panetone?
Há personagens que analisando criteriosamente acabamos vendo-os como dispensáveis, sem algo a contribuir especificamente, sem impacto nenhum, não obstante, é sobre isso que o livro trata, pessoas que mesmo com uma trama intricada, não tem impacto para o Capão. Ferréz quer te passar que mesmo um alcoólatra que brevemente aparece sujo, tem uma história que merece ser conhecida e valorizada, nem que seja o descrevendo somente como um homem deitado no chão com os pés sujos cheirando a cachaça. Os livros não tem que ser igual a nossa ?justiça?.
Capão Pecado compõe um marco da chamada literatura marginal, que é mais brasileira que muitas outras.
O posfácio do Marcelino Freire é uma obra à parte que nos contextualiza sobre a história de Capão pecado bem ao estilo Freire, gostei muito.
Capão Pecado é certeiro, mordaz, real, impactante e brasileiro. Foram vinte anos desde a primeira edição. Ao ligar a televisão em certos canais à tarde ficamos com a impressão de que quase nada mudou, mas não sei. Prefiro acreditar em um Capão Pecado 2, se tiver.
Vale a pena. Valorizem a literatura nacional.