Mary Manzolli 11/07/2021
Sobre uma realodade marginalizada que precisa de ajuda.
Eu poderia, nessas poucas linhas, resumir para vcs a história de Rael, o protagonista do romance, que se diferenciava dos outros garotos da sua idade, no bairro do Capão Redondo, uma favela igual a outras tantas das grandes metrópoles, mas que um dia se apaixonou pela namorada de um dos seus melhores amigos, foi viver com ela, teve um filho, e mudou os rumos da sua vida de um jeito perturbador.
Só que mais importante do que a história, é o que Capão Pecado representa, neste momento, 21 anos após o seu lançamento.
Capão Pecado fala de um povo real, de carne e osso, que trabalha, luta pelo pão diário, ao mesmo tempo em que presencia, todos os dias, violências tanto entre moradores, como da própria polícia.
É clara a intenção de Ferréz com a obra, de abrir os olhos pra uma realidade marginalizada e que precisa de ajuda.
O livo é o choque de realidade necessário para aqueles que, de dentro dos seus condomínios de luxo, acreditam serem capazes de entender e julgar a realidade dos bairros marginalizados. A favela ao mesmo tempo que se difere da imagem idealizada e romantizada nos filmes, também não se conecta às imagens veiculadas pelos meios oficiais e que a associam ao medo, ao perigo, à violência e à criminalidade. É preciso enxergar além, é essencial ver a dor, o sofrimento, a miséria, o abandono, o preconceito, a exclusão, a segregação social e racial, as vidas cansadas, as frustrações de não poderem ver seus sonhos realizados, a vida de crianças sem futuro.
É sobre as pessoas que não tem segurança, que cuidam dos filhos dos patrões ricos, sem ter quem cuide dos seus próprios filhos, de quem muitas vezes não consegue comprar alimento para por na própria mesa enquanto serve as mesas em restaurantes finos. É sobre gente que convive com a miséria, com a violência do tráfico de drogas, com os confrontos policiais e encontra com a morte de perto mais vezes do que podemos prever.
Na obra os personagens se misturam e aos poucos começamos a vislumbrar o retrato do lugar que, entre ruas, becos, esquinas, vielas, barracos e casas inacabadas circulam e vivem bandidos, estudantes, traficantes, trabalhadores, prostitutas, crianças, mulheres e jovens com diferentes histórias, sonhos e sentimentos. A complexidade da estrutura da favela vai sendo exposta sem deixar de mostrar marcas da exclusão social, do preconceito e das violências em suas variadas formas.
A linguagem de Ferréz é a falada nas favelas e comunidades, a narrativa é repleta de gírias, palavrões e dialetos próprios da periferia, fato que há 20 anos, quando do lançamento do livro, o levou a receber muitas críticas e encadear o movimento conhecido, atualmente, como literatura marginal. E Ferréz deixa claro quando diz, Capão Pecado ?é um livro de mano para mano. É ácido e violento. É um grito".
"Escritor marginal mata escritor imortal. Neste caso, foi em legítima defesa"
(Marcelino Freire)
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