spoiler visualizarGabriele Duarte 18/08/2023
"De todas as coisas que Deus criou, o coração humano é a que desprende mais luz, ai! E mais escuridão"
Os Miseráveis é uma obra de arte que permanece atemporal.
Acompanhamos a jornada de Jean Valjean, que foi preso por roubar um pão e permaneceu preso por muitos anos devido as suas tentativas de fuga. Após finalmente ser solto Jean Valjean está perdido nas profundezas da escuridão, mas ele é levado à luz pelo Bispo Myriel, que o faz ver a bondade humana e crava na alma de Jean a consciência de fazer o bem.
Uma das protagonistas do livro, não é um personagem, é a miséria humana, a vemos em todos os momentos. Miséria física: tantas pessoas passando fome, sem casa, vivendo às margens de uma sociedade que parece ser mais feliz sem elas. Vemos também a miséria de alma: pessoas que já não podemos mais chamar de pessoas, pois não parecem humanas, que se aproveitam da bondade das outras, roubam tudo o que conseguem, objetos de valor, uma vida, uma alma.
“Se há alguma coisa mais pungente do que um corpo agonizante pela falta de pão, é uma alma que morre da fome de luz”
Ao longo da história vemos muito sofrimento e muita superação, vamos do fundo mais escuro do abismo até o mais claro dos céus. O autor mergulha em todas as nuances sociais possíveis e analisa a alma humana, o bem e o mal de uma forma tão extraordinária que por várias vezes eu só fiquei chocada por um ser humano ter conseguido escrever algo assim.
O livro é uma grande crítica social feita a Paris de seu tempo, mas é muito triste ver que isso continua tão atual não só ao nosso país mas ao mundo, toda a fome, a falta de instrução, a falta de educação, o que a miséria pode fazer no coração humano quando ela é tudo o que está presente na vida de uma pessoa desde a sua criação ou até quando ela é encontrada mais tarde, num destino decadente, pois, “infelizmente, haver subido não impede que se caia”.
Há almas que nascem boas e são corrompidas pela vida, há almas que nascem boas e permanecem boas independentemente do que lhes aconteçam. É muito bonito ver a redenção de Jean Valjean, seria muito fácil para ele cair eternamente no abismo e não sair mais dele, dado todas as injustiças e sofrimentos passados por ele, porém, mesmo que várias vezes a escuridão viesse tentar tomar conta dele, a luz sempre chegava primeiro.
A história tem tantas outras camadas e personagens tão maravilhosos e outros tão terríveis.
É dilacerador tudo o que a Fantine enfrentou, vendeu seu corpo, seu cabelo, seus dentes, tudo o que podia para enviar para a criação de Cosette, e enquanto isso a menina era tratada pior que um animal não mãos dos Thénardier, passando fome e sendo tratada como escrava. Ou então o sofrimento profundo do Sr. Mabeuf, em que durante toda a sua vida amou tão grandemente seus livros, de forma que eram parte da sua alma, para no final ter que vende-los todos, dia após dia, para comprar um pão e não morrer de fome, esperando que seus dias de vida terminassem antes de vender todos os seus livros. Ver ele e o grupo rebelde no confronto, todos morrendo por seus ideais e lutando para uma revolução que causasse uma sociedade mais justa. O autor me fez conhecer tantos indivíduos incríveis, fortes, cheios de luz e depois me fez ficar de luto por eles, sofrer, chorar. Uma menção honrosa ao pequeno Gavroche, o moleque mais corajoso de Paris.
“O que é barato, hoje em dia? Está tudo caro. Só a miséria do mundo é barata; não custa nada o sofrimento do mundo!”
Após dizer tudo isso, parece que o livro é sobre sofrimento, mas é muito mais sobre vida, e a vida real, podemos enfeitá-la como quisermos mas ela sempre vai estar lá, crua e difícil e bela. Bela porque o ser humano pode sofrer de tantas formas, alguns podem realmente se perder na dor, mas a alma, essa parte invisível do mundo, ela se refaz. Se o mal existe, existe também o bem, a dor é real mas o amor salva, sempre terá uma pessoa boa para passar o bem adiante, assim é o mundo desde que ele existe.
Ver o amor de Jean Valjean à Cosette, sendo realmente o melhor pai que ela poderia ter, depois vendo o amor de Cosette e Marius, essa história que nunca teria existido caso Jean Valjean não fosse puramente bom, e tudo o que ele suportou, sempre colocando Cosette e sua felicidade em primeiro lugar é inspirador.
“Se não houvesse alguém que ama, o sol se apagaria”
O amor, a luz, o bem, o mal, o choque da vida real e do nosso caminho no mundo, o quanto afetamos e somos afetados por pessoas, sempre pessoas...
A esperança e essa força tão grande que é a consciência de uma pessoa boa, ela nunca deixará o bem cair por terra.
“Deus desabrochava as flores antes que os homens talhassem as pedras”
Eu poderia falar de Os Miseráveis o dia inteiro e ainda faltaria algo, só quem leu sabe a magnitude do livro, nunca li algo parecido e virou meu livro favorito da vida.
“A verdadeira divisão humana é esta: os que vivem na luz e os que vivem nas trevas. Diminuir o número dos que vivem nas trevas, aumentar o número dos que vivem na luz, eis o objetivo. É por isso que gritamos: ensino! Ciência! Aprender a ler é iluminar com fogo; cada sílaba soletrada cintila. De resto, quem diz luz não diz, necessariamente, alegria. Também se sofre com a luz; em demasia, queima. A chama é inimiga da asa. Queimar-se sem parar de voar, é esse o prodígio do gênio. Mesmo com conhecimento e amor, ainda se sofre. O dia nasce em lágrimas. Os iluminados choram, mesmo que seja apenas sobre os que vivem nas trevas.”