Ednelson 04/12/2012
Análise:
“Eu estava perdido no escuro e você me encontrou. Eu estava com calor – com tanto calor – e você me deu gelo.”
— Pág. 23
Saudações, caros leitores! Para fechar a comemoração ao aniversário de Stephen King, lhes trago uma resenha de “Love – A História de Lisey”. Essa é uma obra de extrema sensibilidade e muitos encantos, Stephen King conseguiu tratar do amor tão habilmente e mostrou mais uma vez que não é um escritor exclusivamente de terror, mas um verdadeiro artesão das palavras capaz de crescer dentro do que se propõe a abordar. O enredo não é isento de terror, mas conta com um humor inteligente e muitas outras qualidades que tanto marcam os seus textos. Escolhi esta obra justamente por ser uma que os fãs pouco costumam comentar, logo a resenha vem para despertar também o interesse pelos escritos do mestre que recebem menos holofotes. Sem mais demoras, aproximem-se, vou lhes falar um pouco de minha experiência com este livro.
A capa já nos comunica bastante sobre como é a atmosfera da obra, acho a ilustração perfeita e admito que isso foi o que chamou a minha atenção, fazendo-me logo ler a sinopse, e escolher este livro em meio a tantos outros na época em que o encomendei, faço a observação de que havia outros títulos mais célebres ao meu dispor, mas há livros que quando flertaram comigo capturaram este coração romântico imediatamente, isso é algo frequentemente comigo, coitados dos meus bolsos, ficam vazios constantemente. A luminosidade que irradia da palavra Love é justamente o que o amor de Lisey representa para Scott, uma força que quebra as trevas e traz conforto. Nesse ponto poderíamos julgar que temos à nossa frente uma típica história de amor, mas nas primeiras páginas encontramos uma mulher desorientada pela morte do marido, pois mesmo depois de dois anos, o amor é tão poderoso como antes e isto a faz pensar se ele não pode estar somente em outro cômodo da casa que por tanto tempo dividiram, essa é a impressão que é passada para o leitor. O sentimento pesado de luto, algo que quase chega a ser palpável por ser tão bem descrito, é somente o primeiro estágio na jornada da viúva Landon e muitos desafios aparecem em sua trilha rumo aos passos que a farão capaz de continuar a viver e compreender ainda mais aquele com quem dividiu a vida e que sempre estará em seu coração, sendo provavelmente o que há de mais valoroso.
A personalidade enérgica e bem humorada de Lisey cativa facilmente e nos serve de guia nas viagens ao passado, por meio das quais conhecemos Scott Landon. Ele é um escritor, um homem culto, mas sem demonstrar atitudes de pedante, pelo contrário, é tão bem humorado quanto a sua esposa e constantemente faz piadas com a sua vida pessoal e os fatos hilários ou tensos pelos quais grandes escritores passam, por exemplo: a relação com os fãs que às vezes faz surgir casos complicados de lidar, como assédio e uma verdadeira perseguição ao dia-a-dia particular dos autores, revistas sensacionalistas são uma grande manifestação disto. Entretanto, nem tudo na existência de Scott foram rosas, alguns momentos foram verdadeiros pesadelos encarnados e nos permitem enxergam um lado mais sombrio dele e também compreender melhor o papel de Lisey, pois ela é praticamente o anjo de sua salvação. Chega a ser desesperador saber o quanto Scott poderia ter sofrido se não tivesse alguém para ampará-lo quando a escuridão em sua mente ameaçou transbordar e dominá-lo por completo. O desespero vem do fato que a condição de desamparo existencial do personagem encontra uma identificação, um reflexo, em nós mesmos, visto que desconheço uma pessoa com pelo menos mais de dezoito anos que nunca tenha enfrentado um momento no qual se considerou totalmente à deriva na vida, sem um motivo para se manter sóbrio mentalmente e sentimentalmente. Isso é parte do que somos e Stephen King soube deixar os sentimentos verossimilhantes, talvez até pudéssemos julgá-los como verdadeiros, caso não soubéssemos que se trata de uma ficção. A presença de Scott, no tempo presente do livro, também se faz nos pensamentos de Lisey que frequentemente até considera a possibilidade de ter imitado a voz de seu falecido esposo ao dizer algo para si mesma.
A relação afetiva de Scott e Lisey é belamente narrada, uma verdadeira entrega de um ao outro, pois mesmo Lisey sendo normalmente aquela que estabelece a ordem nas coisas, não chega a se colocar em um grau de superioridade no qual humilha o seu esposo. É emocionante demais ler sobre um amor verdadeiro a este ponto, pois mesmo um sabendo os pontos mais obscuros do outro, jamais se afastam ou sequer chegam a cogitar essa possibilidade, ao invés disso aumentam ainda mais a força do sentimento que nutrem um pelo outro e o calor de seus abraços. O amor que vemos nessas páginas é tão sincero, uma poesia sobre dois indivíduos que se apoiam e evoluem em igualdade. Sinceramente, admito sem qualquer embaraço, não conheço palavras para descrever tudo que isso despertou em mim.
O Stephen igualmente nos narra fatos sobre a rotina de Scott como escritor e usa muitas metáforas para conversar sobre como funciona a mente de um autor, qual o sentido de um livro para aquele que o cria e como a vida influencia na arte e vice-versa. Um dos pontos principais é Boo’ya Moon, um lugar que ao mesmo tempo nos parece a própria mente de Scott, mas também uma espécie de símbolo para a imaginação, qualidade que todos compartilhamos e exercitamos em maior ou menor grau, ou pode ser interpretado como uma dimensão com múltiplos significados, enfim, o importante é que o leitor ganha um certa liberdade de interpretação e acaba mergulhando ainda mais na história. A escrita também é tratada como um meio de autoconhecimento e forma de expurgar o que nos é nocivo às vezes, uma espécie de “cura pela fala” em que exteriorizamos pensamento em linguagem escrita ao invés de pronunciada. Escrever representa desejos, sonhos, temores, uma infinidade de emoções, algumas mais agradáveis visualmente e outras capazes de nos gerarem noites de insônia. Sendo como for, escrever é um dos canais que mentes inquietas podem usar para aliviar a pressão de ideias que clamam por existirem.
A obra é espetacular, cada página é um deleite, nos encanta e nos faz refletir sobre as nossas considerações acerca do amor e a entrega incondicional a outrem, pois o que é amor? Aceitar o outro em toda a sua complexidade, tal como é e sem jamais almejar esculpi-lo conforme a sua vontade, e oferecer o seu coração quando mais necessitar? Dar um pedaço de gelo quando o sol for muito forte e castigar as nossas peles? Afinal, o que é amar? Tocante e belo, sem palavras capazes de demonstrar todo o tamanho de meu fascínio, dou cinco selos cabulosos e retiro-me. Abraços!
Escrevo no: http://leitorcabuloso.com.br/