Dani do Book Galaxy 19/05/2020Como falar sobre diversidade, família e pertencimento e ainda assim divertir? Num sci-fi, claro!Uma das coisas que mais gosto do gênero de sci-fi é que ele permite que autoras brilhantes como a Becky Chambers usem o máximo de sua imaginação, sem nenhum limite. E o que acaba acontecendo quando esses autores se libertam dessa forma é que eles nos presenteiam com raras obras como "A longa viagem a um pequeno planeta hostil".
A despeito do título gigante (e que eu sempre fico com preguiça para falar), eis um livro que me deixou bastante confortável durante sua leitura. Apesar de se tornar um pouco arrastada em alguns pontos aqui e ali, a narrativa de Becky Chambers é tranquila, de linguagem fácil, divertida e bastante descritiva.
Sua característica descritiva, aliás, acaba por ser tanto o ponto mais forte do livro como também o único ponto de atenção, que me fez classificá-lo como quatro estrelas e meia ao invés de cinco.
Muito bem escrito, conforme mencionei, o livro tem um desenvolvimento intenso de personagens. Assim, temos muitos detalhes das diferentes espécies alienígenas e as histórias de cada um. Algumas cenas me lembraram de O Guia do Mochileiro das Galáxias e até de Star Wars, sci-fis célebres que exploram com intensidade o relacionamento e interação interespécies.
Assim como Douglas Adams nos oferece em suas obras detalhes sobre os diferentes tipos alienígenas que possivelmente encontraríamos na galáxia, Becky Chambers também foi pelo mesmo caminho, nos oferecendo uma pluralidade cultural extremamente rica.
Tal multiplicidade de espécies permitiu que a autora as explorasse como quisesse para tratar, de maneira criativa, as questões sobre diversidade, respeito e intolerância entre elas, bem como os diferentes relacionamentos encontrados na galáxia. Afinal, a autora propõe uma realidade onde existem dezenas de milhares de seres diferentes que interpretam o Universo à sua maneira, respeitando suas próprias crenças, cultura, instintos e modo de vida.
Outro aspecto clássico dos maiores títulos de ficção cientifica, abordado pela autora neste livro, foi a Inteligência Artificial - e declaro, aqui, que este foi meu ponto preferido de toda a história. Confesso que eu gostaria que a autora explorasse o assunto ainda mais aqui (e fiquei extremamente satisfeita em descobrir que a continuação do livro aborda justamente este aspecto), pois ela o trata com bastante propriedade e de uma forma que tocou meu coração.
Por falar em tocar o coração, uma sensação persistente em cada página do livro é a de acolhimento. Descrevendo a nave Andarilha como um grande lar, onde cada tripulante (por mais diferente que seja) compõe uma família, a sensação que se tem, ao estar a bordo nela, é que você, leitor, também pertence a este ninho. É engraçado como um livro consegue nos transmitir isso com apenas palavras; mas é o que acontece.
Dito isso, a história em si parece que não evolui muito. De fato, este não é um livro onde acontecem muitas coisas; é um livro onde o desenvolvimento e, principalmente, o relacionamento entre as personagens é o foco. A leitura, apesar de extremamente prazerosa e capaz de me despertar diferentes emoções em muitas passagens, demora um pouco para evoluir e, em alguns momentos, eu sentia que tinha lido umas 300 páginas, mas sem sair do lugar na linha do tempo da história.
Esse aspecto mais lento do livro poderia soar até como algo ruim, mas não é. Para mim, foi uma experiência rica e emocionante, e gostei de ver esse aspecto mais delicado sobre os diferentes tipos de amor e relacionamento em um livro sci-fi.
É uma história que expandiu meus horizontes e minha mente, e me fez me questionar sobre os julgamentos que fazemos, mesmo que inconscientemente, ao olhar para as pessoas. O quê, em meio a tudo o que vemos em seu exterior, conseguimos apreender sobre elas e que de fato é real? Como podemos julgá-las só pela aparência, seu modo de falar ou andar, sem nem mesmo conhecer seu passado, crenças, sua bagagem?
Uma das mensagens que mais me marcou foi a de que, para nos conheceremos e entendermos nosso lugar no Universo, precisamos ter o coração aberto e olharmos mais ao nosso redor - e menos para nós mesmos.