Hemy Gomes 27/04/2020
"O importante é que ele tivesse sido feliz. Foi? Não."
Policarpo, também conhecido como Major Quaresma, é um homem solitário (mas vive com sua irmã Adelaide) e peculiar. Inteligentíssimo, tem uma vasta biblioteca em casa, é pontual em seus hábitos, meio anti social -- e chamado de esquisito pelos seus vizinhos. Acima de tudo isso, Policarpo é patriota e quer o bem da sua nação, sabe tudo sobre o Brasil e busca servi-lo como pode.
Já não bastava ter uma biblioteca com livros brasileiros, estudar todos os aspectos do Brasil, aprender tupi-guarani, querer usar costumes indígenas, consumir e possuir somente coisas nacionais, Quaresma agora decide aprender a tocar violão e cantar modinhas (pois era o gênero que mais combinava com a cultura brasileira) com Ricardo Coração dos Outros. Partindo disso, ele começa uma busca por uma festa com elementos brasileiros para ajudar o general Albernaz -- que quer uma festa apenas para chamar a atenção e casar logo suas filhas.
Atitudes como essa eram comuns para Policarpo, que sempre buscava agir para concretizar suas ideias para melhorar o Brasil -- e ai de quem falasse mal do Brasil perto dele! Até que um dia, Policarpo arranja uma grande confusão ao enviar um documento em tupi para o fórum e fazer uma petição para que o tupi-guarani seja a língua oficial do país e o resultado disso tudo é uma internação no hospício. Depois de alguns meses recluso, Policarpo "volta ao normal", mas sua afilhada Olga acaba colocando uma ideia nacionalista de volta na sua cabeça e ele decide vender sua casa e comprar um sítio abandonado na área rural para ser agricultor e aproveitar as terras férteis do Brasil.
Nos momentos em que Quaresma não é o foco da narrativa, a vida de outros personagens é explorada com críticas sutis, como os militares que se vangloriam da profissão (ainda que não tenham lutado em lugar nenhum), os jovens cuja formação dá um enorme "quê" no jeito que são vistos pelas pessoas, as tolas jovens de personalidade fraca que tem o casamento como único objetivo de vida, a miséria daqueles que vivem em cortiços nos subúrbios e a situação difícil dos negros, além da cegueira da burguesia local para todos esses problemas.
Pouco tempo depois, após o casamento de Quinota (filha de Albernaz e irmã de Ismênia, a noiva abandonada e que acaba enlouquecendo e morrendo), Ricardo vai visitar Quaresma e acaba se empolgando com os minutos de fama que ganhou ao tocar suas modinhas na vila -- tanto que esteve disposto a abrir mão da música para ter um cargo político. Olga se casou e também foi com o marido visitar o padrinho, que continua empenhado em fazer sua terra frutificar, tanto que nem uma invasão de formigas saúvas o fez desanimar.
Policarpo acaba surpreendido com a desconfiança de algumas pessoas da vila, que pensavam que sua caridade tinha a ver com motivos políticos, e com a ideia que seu nome ainda tinha uma certa fama por aí. Doutor Campos e Antonino, políticos locais, tentam fazer Quaresma se envolver na política, mas ele está decidido a não se meter com esses assuntos e isso faz com que os dois homens se vinguem dele com intimações absurdas. Porém, a Revolta da Armada faz com que Policarpo tenha com o que se envolver, pois sua uma ideia patriota de mudar a administração do país (e que voltemos à monarquia) surgiu em sua mente.
Na capital, Rio de Janeiro, os próprios militares se divergem quanto aos seus ideais: uns apoiam a república, outros têm um saudosismo pela monarquia, ainda outros (os positivistas) querem dar um fim nos revoltosos. Das pessoas próximas de Quaresma, Olga, sendo uma mulher de ideias, se demonstra uma "revoltosa" -- ao contrário de seu marido charlatão por quem ela não se interessa mais. Enquanto isso, Policarpo encontra Floriano e se decepciona com sua tamanha preguiça e tamanho desprezo e desinteresse pelo seu cargo e pelas coisas do país -- tanto que ignorou completamente o memorial que Quaresma escreveu para ajudar a impulsionar o Brasil. Major Quaresma acaba se tornando realmente major e passa a comandar um destacamento onde até Ricardo Coração dos Outros está presente como cabo. A Revolta se estende ao longo do tempo e acaba se tornando um entretenimento para a população, que até já se acostumou com os tiros corriqueiros, mas ainda é motivo de sofrimento e desesperança para o nosso patriota.
Policarpo acaba se ferindo em um dos combates e fica com a consciência pesada por ter matado alguém na "guerra de trogloditas" e a partir daí, ele se decepciona com a vida e com os ideais pelos quais tanto se sacrificou. Depois de um tempo fora, Policarpo recebe a função de carcereiro e isso traz ainda mais desgosto e decepção para ele, que percebe que absolutamente ninguém tem a mesma motivação que ele. Exercendo esse cargo, ele percebe as injustiças feitas no governo com a prisão e a execução de pessoas aleatórias -- inclusive dele mesmo, considerado traidor depois de mandar uma carta ao presidente como protesto. Ricardo Coração dos Outros fica sabendo do acontecido e, desolado, tenta ir atrás dos conhecidos de Policarpo para buscar ajuda para soltá-lo, mas todos se recusam a se envolver na história - exceto Olga, que decide ir até o presidente para tentar salvar o padrinho, mas sem sucesso. Olga acaba percebendo que é melhor deixar que Policarpo morra como um herói, com seu orgulho intacto -- e assim, o nosso herói do Brasil é executado.
Li esse livro para a escola e me surpreendi. Lima Barreto escreve muito bem e os ácidos e sutis comentários através do narrador são uma das coisas mais incríveis do livro. Me apeguei muito à inocência e personalidade de Quaresma e à força e empoderamento de Olga, fora Adelaide e Ricardo, que mesmo não aparecendo tanto, também nos fazem ter afeição por eles. Policarpo realmente não merecia esse triste fim, mas sim, toda a felicidade do mundo.
Nota 5 de 5