Larissa.Manucci 14/09/2022A Menina da Montanha
Este é aquele tipo de livro que o título pode enganar um pouco, vendo assim pela primeira vez pode parecer mais uma ficção adolescente, mas este trata-se de uma não-ficção, mais precisamente de uma autobiografia, um livro de memórias escrito por Tara Westover, uma mulher que foi para escola a primeira vez aos 17 anos e que, anos depois, conquistou um doutorado em Cambridge. E aí, mais uma vez as aparências enganam um pouco, este não é um livro sobre motivação e superação apenas, este é um livro sobre a família de Tara e sobre como a sua criação impactou em toda a sua vida.
Tara nasceu em uma família extremamente fundamentalista, uma família muito religiosa e que possui crenças enraizadas. Tara, seus seis irmãos e seus pais viveram em uma casa nas montanhas dos Estados Unidos, isolados de tudo. Devido ao seu fanatismo religioso, o pai não acreditava na medicina, nos documentos do governo e nem nas escolas. Para ele, a vida deveria ser vivida ao pé da letra daquilo que a sua religião e seus livros sagrados diziam. E um ponto muito interessante do livro é que Tara, em nenhum momento, culpa a religião pelo que lhe aconteceu, pelo contrário, a sua história se baseia na experiência da sua família e em como ela interpretava a religião.
O pai de Tara trabalhava em um ferro velho perto de sua casa e sua mãe, em um momento da vida, passou a trabalhar como parteira e como uma espécie de homeopata, tudo isso reflexo da descrença que o pai levava em relação à medicina moderna. Dentro deste aspecto é preciso pontuar alguns pontos extremamente absurdos da história, há episódios de ferimentos intensos e de acidentes que envolveram os membros da família e que, mesmo sendo verdadeiras emergências, foram tratados todos dentro de casa e com a utilização de medicamentos naturais, muitos desses ferimentos deixaram suas sequelas devido a falta de tratamento correto. E mais ou menos nesse ponto que fica muito difícil acreditar que algo assim possa ter realmente acontecido, pensar que com todas as informações e avanços tecnológicos que tínhamos já na época em que os fatos aconteceram foram negligenciados utilizando-se de premissas religiosas e ideológicas, parece inconcebível (mas infelizmente, a se a gente procurar a fundo, isso acontece até hoje).
Quando um dos irmãos mais velhos de Tara resolve estudar por conta própria e consegue entrar em uma universidade que as possibilidades da menina começam a mudar. Seguindo o exemplo do irmão, Tara resolve estudar também para tentar entrar em uma universidade. E ela consegue, mas como podemos imaginar os seus conhecimentos são baseados nas poucas informações que ela conseguia dentro de casa e muito daquilo que acreditava ela descobre serem mentiras ou meias verdades. É dentro do ambiente universitário que Tara vai descobrindo um outro mundo, muito além de tudo o que ela havia estudado em seus textos religiosos, é durante uma das aulas que, aos 18 anos, ela descobre o que foi o holocausto.... E depois de muitos episódios como esse que Tara resolve estudar ainda mais sobre história e historiadores e como a verdade é escrita por eles. Sua jornada até seu mestrado e doutorado é uma caminhada cheia de obstáculos que envolvem muito mais do que só estudos, ela precisa ultrapassar barreiras financeiras e os laços familiares durante esse processo.
Ler esse livro foi muito interessante pra mim, poder acompanhar a família de Tara através de suas memórias que foram originalmente escritas em um diário, é um exercício de tentar entender como podem existir pessoas tão alienadas ao ponto de desenvolverem paranoias e perpetuarem absurdos, como por exemplo a crença fiel que seu pai tinha no fim do mundo e no apocalipse o que o fez estocar durante muito tempo, alimentos, armas, combustíveis e dinheiro. Além disso, o livro trata de uma questão muito delicada da vida de Tara, na qual ela passava por uma série de violências dentro da própria casa, um de seus irmãos mais velho que era uma pessoa extremamente agressiva (tanto com ela como com outras pessoas próximas), que abusava fisicamente e psicologicamente de Tara, até o ponto dela duvidar de sua própria sanidade mental e de ter vergonha de admitir que aquilo não era normal. Sem comentar o fato dela não ter apoio nem mesmo de seus pais... Uma história repleta de episódios em que o machismo e o patriarcado dominam toda uma família.
Por fim, o que mais me chamou atenção foi o fato de que em muitos episódios, Tara coloca algumas notas de rodapé, nas quais podemos ler a visão de outras pessoas que passaram por muitos dos episódios junto com ela, como dois de seus irmãos. Isso torna toda a história ainda mais honesta e real. Eu definitivamente coloco essa como uma das melhores leituras do ano por aqui. Aliás, não só eu como o Bill Gates também colocou o livro em sua lista de livros favoritos....