anahelena.blasilemos 22/09/2023
ÚRSULA – de Maria Firmina dos Reis
Livro e autora foram condenados ao esquecimento por mais de um século, fato intuído pela própria Maria Firmina ao prefaciar o livro, em 1859.
Não era difícil antever. Maria Firmina esteve cercada de barreiras praticamente instransponíveis para a época.
Era mulhe, era negra, era pobre, era de poucos estudos. Ainda assim conseguiu ser divulgada e lida naquele tempo, um feito e tanto.
Por um acaso - desses lindos que por vezes ocorrem - em 1970 um bibliógrafo de nome Horácio de Almeida descobriu esse pequeno volume em meio a antiguidades no Rio de Janeiro.
Dali para cá não cessam as pesquisas sobre essa maranhense gigantesca, ainda bem!
A história de amor escrita bem aos moldes do Romantismo - melíflua, com odes à natureza e aos bons costumes - é como um chamariz para no fundo denunciar os maus costumes, no caso os horrores escravocratas, em seu auge.
Atualmente é considerado o primeiro livro abolicionista do Brasil.
A escritora dá voz aos escravizados, coisa rara, e diáspora e terrores do traslado dos habitantes de África para as costas brasileiras foram aí relatados anos antes do maior escritor abolicionista brasileiro, Castro Alves, escrever o famoso ‘Navio Negreiro’.
Maria Firmina esteve muitíssimo à frente de seu tempo.
Contra todas as circunstâncias se fez culta, escreveu prosa e verso, ousou um experimento singular, uma escola de primeiras letras com sala mista, escancarou a vilania dos senhores de terra escravocratas, denunciou a Igreja que se não era a favor, validava a escravidão, apontou a opressão ao gênero feminino, humanizou os negros escravizados, adotou 11 crianças, em sua maioria filhos de alforriados, e ela que morreu aos 95 anos viu a morte de muitos deles e em suas lápides inscrevia ‘Que a terra lhe seja leve’.
Com Maria Firmina se acendeu uma dúvida para mim recorrente.
Será casual ou proposital o apagamento de pessoas – principalmente mulheres – que ostentam ideias avançadas, algumas que possam transgredir o manual convencional da sociedade humana?
PERSONAGENS: Úrsula e Tancredo
CITAÇÃO: “Dia virá em que todos os homens reconheçam que são todos irmãos.”