Nana Barcellos | @cantocultzineo 15/07/2021
Lucíola é meio que uma releitura de A Dama das Camélias, do autor francês Alexandre Dumas-filho, sendo até citado em uma cena neste romance. Ambos foram publicados na mesma época. Admiro bastante o trágico romance de Marguerite e Armand, assim a história de Lucíola também despertou meu interesse.
O romance faz parte de uma trilogia do autor, Perfis de Mulher, que destaca seus outros romances urbanos protagonizados por mulheres: Diva e Senhora. A primeira edição foi publicada em 1862, então esperem uma linguagem mais rebuscada. Apresenta Lúcia - a cortesã mais cobiçada do Rio de Janeiro sob o olhar apaixonado do narrador Paulo.
Paulo relembra a época que chegara ao Rio de Janeiro, em 1855, lá pelos seus 25 anos. De Olinda, parte de seus costumes seguiam simples - apesar de seu grande amigo Sá ser descrito com ar burguês e, praticamente, viver para festas. E numa dessas festas é que Paulo se atrai por Lúcia. Atração era apenas o início. Logo o rapaz se vê enlaçado por toda luxúria em torno da bela mulher.
Após as apresentações feitas pelo amigo e antigo amante da cortesã, Paulo dá um jeito de reencontrá-la em várias oportunidades e ensaiar uma aproximação de forma cordial. É aquela coisa de querer provar que é diferente dos outros. Entre conversas poéticas e confissões ardentes, Lúcia permite suas visitas e, posteriormente, investidas. Paulo é nutrido de idealizações à sua figura. Embora seja detestável estar ciente do que os outros comentam, além de ter que esbarrar pelas ruas com seus possíveis clientes. Todos sabem que Lúcia é uma cortesã e ama o luxo.
Brigas que geram longos dias sem uma troca de palavras são frequentes. Mas o autor as usa como uma tática para amadurecer o relacionamento entre os dois. Financeiramente, Paulo não é nem metade dos amantes que costumam frequentar a casa de Lúcia. Mas há algo que a faz implorar a presença dele em sua vida. Lúcia é uma personagem tomada por segredos. Sua construção exala mistério até a conclusão da narrativa. Sério, finalizei a leitura desconfiando - e muito - sobre o quê mais ela escondia; que não tinha revelado tudo.
"Almas como as de Lúcia, Deus não as dá duas vezes à mesma família, nem as cria aos pares, mas isoladas como grandes astros destinados a esclarecer uma esfera."
Aquela promessa do início de meta literária: vamos inserir mais clássicos. Ha! Quem não faz, não é mesmo? E confessar para vocês que não sabia da relação com A Dama das Camélias até ler comentários em algumas resenhas. Então veio o "agora vai" quando comecei a pensar em opções para o TOCANDOAMOR deste ano. O primeiro confronto, óbvio, foi com a linguagem da época. Neura boba. Tanto que estou aqui compartilhando as minhas impressões. Há esse tom secreto que marca a construção de Lúcia que nos enlaça nas palavras do rapaz.
O romance é narrado por Paulo, que está relatando todas as lembranças ao lado de Lúcia para uma senhora, em cartas, assim a narrativa segue em primeira pessoa. Conforme o leitor conhece a musa pelos olhos do protagonista, acaba por soar meio cruel nos tirar um olhar dela perante algumas da situações. Por isso comentei sobre o vazio de revelações, por parte de Lúcia, quando tudo finaliza. E Paulo também não cativa quanto o esperado. Parte de seus pensamentos são críticas à sociedade da época, entretanto seus ímpetos raivosos se resolveriam com uma simples conversa. Lúcia é mais nova que ele e soa bem mais madura, viu? O cara ficou irritadinho porque os colegas acharam que ela estava sustentando ele...
As trocas entre Paulo e Lúcia são o grande ponto do romance. Conversas que soam como pura poesia; um tom erótico elegante em que o leitor pode sentir até a troca de olhares saltar das páginas. Lúcia é uma personagem verdadeira e não esconde suas opiniões facilmente. Sempre pronta para palavras duras e sabe valorizar sua presença. Mas também tem seus momentos de submissão: acha que não merece felicidade por causa do trabalho mundano. A simbologia religiosa em torno dos seus nomes também marcam as linhas de José de Alencar.
"Agora que a minha vida se conta por instantes, amo-te em cada momento por uma existência inteira. Amo-te ao mesmo tempo com todas as afeições que se pode ter neste mundo. Vou te amar enfim por toda a eternidade."
E não posso encerrar a análise antes de contar minha babação pelo cenário, simplesmente porque alguns dos locais mencionados ainda são bem presentes aqui no Rio. A Rua do Ouvidor é um grande destaque. Toda vez que Paulo a mencionava, eu fechava os olhos lembrando meus passos na época em que trabalhava numa loja por lá. Bobona.
Lucíola integra a coleção de romances urbanos do autor. São tramas livres das tretas do império e tanta política. Embora, como mencionado, os cutuques não estejam completamente de fora. Por aqui encontramos as mazelas da sociedade que tudo opina e afirma. Paulo inicia a narrativa cheio de amigos burgueses e depois todos somem - ou ele quis se afastar. Fica aí mais um mistério. Ha!
"Os beijos que lhe guardei, ninguém os teve nunca! Esses, acredite, são puros!"
Esse é um dos e-books da coletânea 'Gratuitos da Quarentena', então quero finalizar agradecendo à editora pelo presente. Ha! A edição está incrível, cheia de ilustrações que se conectam com o romance. O texto está integral, sem tantas modificações em respeito ao autor - e também pela a época da publicação - e sinalizo que foi o ponto que mais curti. Várias palavras que não fazem parte do meu minguado vocabulário. O Kindle ajuda bastante, sempre revelando o significado ao selecionar a palavra em questão, e precisei usar com as mais loucas.
passe lá no blog para conferir a lista de adaptações :)
site: https://cantocultzineo.blogspot.com/2021/07/livro-luciola-jose-de-alencar.html