spoiler visualizarAndrey Istvan 15/08/2014
À prova do improvável.
O Ateneu, obra de Raul Pompeia, trata do contraste de realidades. A história se passa no Ateneu, uma instituição de ensino em internato durante o período do Império do Brasil.
Narrada por Sérgio, um aluno, mostra o contraste da realidade dita ser da instituição, da realidade de fato e ainda, de duas realidades interiores: a de si próprio e a dos outros.
Se iniciando com as impressões iniciais de Sérgio, coloca o Ateneu como um templo. Seu diretor, Aristarco, como uma versão masculina de Minerva: severo, mas acolhedor para seus seguidores fieis. Ele é mostrado como figura imponente, o maior pedagogo de sua época. Mostra-se um sistema de ensino como que a extensão do próprio lar, onde se poderia encontrar ambiente acolhedor, mas não de fato um lar, pois se obstinava a preparar homens.
Na intenção de preparar homens, a imoralidade era algo que não entrava em seu quadro de normas, sendo a pena para esta decidida caso a caso pelo próprio Aristarco. Ser imoral era imperdoável pois, mesmo que não aplicados castigos físicos, os castigos de escarnio, injuria e difamação caiam como brasa na pela dos imorais.
Depois de passadas as primeiras impressões, a historia se segue com um aviso a Sérgio: Ali se faziam os dois sexos, a imoralidade se espalhava pelas pedras maciças do prédio como ervas daninhas, e nada era feito contra. Não era possível afiliar-se, tampouco ter protetor, pois isso imporia a troca mutua de posição carnal ou, se não bastasse, a imposição da fraqueza de espirito.
Ao ver que o Ateneu não era como lhe prometido, Sérgio desanimou-se: perdera a vontade, perdera a força, tornara-se fraco. Isto, como lhe havia sido alertado, abria brecha para a submissão passiva. E, de efeito, diferente não houve.
Sanches, um rapaz mais velho e corpulento, passou a aproveitar-se de Sérgio, com contatos mais íntimos ate que, em um dia, tentou viola-lo. O ato não se concretizou, entretanto tomou parte uma perseguição, já que Sanches era responsável pela turma de Sérgio.
Depois, já se apercebendo de sua passividade, revoltou-se. Tomou amizade com Franco, um aluno rebelde, e com ele cometeu algumas peripécias.
Passado-se um tempo, ocorre um crime no Ateneu, um assassinato, motivado pela paixão de um jardineiro por Ângela, moradora da casa de Aristarco.
Sérgio então inicia uma amizade com Egbert, que envolve-se em um escândalo de imoralidade, por ser cúmplice e conivente com relações promiscuas. Também, neste caso, havia uma submissão por parte de Sérgio, mas uma submissão feminina, como de um dominar por parecer fraco.
Com basicamente todas as suas amizades, exceto a com Franco, sucedera o acontecido da tentativa de submissão carnal. Todas as tentativas foram infrutíferas, mas uma, em especial, gerou efeitos maiores: Quando Bento Alves tentou viola-lo, fora impedido por Aristarco, sendo que, na contenção, Sérgio lhe arrancara fios do bigode.
Essa atitude passou impune a Sérgio, mas Bento Alves fora expulso do Ateneu.
Depois deste acontecidos, acalmam-se os ânimos carnais. Mas, a este passo, já estava próximo de se encerrar o ultimo ano de Sérgio no Ateneu.
No fim de seu ultimo ano, Franco falece devido a uma febre. Sua morte era como a ultima tentativa de revolta: imputar culpa a todos, mesmo que não fosse culpa de ninguém. Todos sabiam que colaboraram aos poucos com a morte deste, mas ninguém de fato o matara.
Já ao fim de sua estada no Ateneu, este se incendeia. Um incêndio, causado por um aluno recém-chegado, destruiu todo o prédio, encerrando assim a historia.
Neste livro, podem ser percebidas os grandes choques de realidades de que falo no inicio.
Surge uma primeira realidade, a realidade dita ser da instituição, da moralidade extrema, da questão da ética e da hierarquia acima de todas as outras, mostrando o mestre, Aristarco, e seus discípulos, os alunos. Aristarco não permitia castigos físicos em sua instituição, mas os castigos morais eram tao fortes se não mais quanto. Era, da mesma forma, pai e carrasco. Era pai no seu zelo pelo formar o caráter, era carrasco em suas formas de conseguir o feito. Sua instituição era posta como casa alimentadora de espíritos, formadora de caráteres. Lugar respeitável, onde normas, padrões e rituais eram como um jubilo para Aristarco.
Uma segunda realidade surge na vivencia de Sérgio com o colégio, quando se vê com a patifaria e a calhorda, assim como vê que as normas de muito pouco se efetivam contra a imoralidade, cabendo a cada um proteger-se dela. Aristarco não lhe parece mais um inexorável, se assemelha a um guia, não mais a um grande mestre. A realidade da instituição lhe parece outra, o que, a principio, lhe causa grande desgosto. A longo prazo, cumpre seu papel: molda-lhe o caráter.
A terceira realidade se passa no interior de Sérgio, seus conflitos de saberes e de pensares. Sua submissão, ora passiva, ora ativa, lhe gerava questões de cunho moral. Não sabia em quem ou a quem confiar e confiar-se. Pegou manha destes hábitos, aprendeu a saber como e o que dizer, como agir e pensar. Tornou um homem nesta realidade interna.
A quarta realidade eh a externa a ele e interior a outros. A imoralidade que se difundia, assim como alguns aceitarem sua submissão com orgulho, outros que impunham a outros esta submissão. Seus desgostos, seus desagrados, a gradual formação e reformação de seus caráteres, assim como as suas formas de molda-los, são algo a parte nesse livro.
O grand finalle é o incêndio do Ateneu. Mostra, em minha visão, o triunfo da imoralidade. Mostrava que a moral se via consumida pelas chamas, caindo em ruínas por defasagem, pois mesmo na casa da moral, ela já não mais existia. Esse fim demonstra a consciência do autor de sua realidade, de sua época, e da realidade da historia. Apos tanta hipocrisia de realidades ditas e sidas e falsas, nada mais justo do que mostrar a única realidade de fato: a moralidade cairá por terra, a queda do Ateneu é sua apoteose.
O fechamento da historia é a prova do improvável: A moralidade, que sustentara aquele prédio por seculos, não resistiu as chamas, representante do furor dos espíritos. A imoralidade leva ao inferno, la se arde em chamas, e em chamas ardeu o Ateneu.