Gabriel.Maia 13/03/2023
Eles são todos iguais
Admirável mundo novo era a leitura que faltava para eu completar a trindade distópica, junto com 1984 e Fahrenheit 451, e posso dizer com tranquilidade que foi a minha preferida das 3, superando inclusive o clássico de George Orwell. É um livro aclamadíssimo, a magnum opus de Huxley, e não deixa a desejar em momento algum, repleta de referências clássicas, paralelos com nossa sociedade atual (mais que em 1984, na minha opinião) e reflexões a serem feitas sobre o nosso futuro, que parece se encaminhar cada vez mais para a realidade narrada pelo autor.
A história se passa em Londres, em meados de 2540, e nos mostra uma sociedade diferente e, por incrível que pareça, totalmente feliz. As pessoas perderam o direito de se sentirem mal, tristes, melancólicas ou qualquer outro sentimento considerado maléfico, já que o governo autoritário começa o processo de estancamento dessas sensações antes mesmo de as pessoas nascerem. Nesse mundo, a maternidade e o parto de uma criança, assim como o nosso conceito de família, são coisas extremamente abomináveis e nojentas, praticadas apenas nas poucas partes não civilizadas do mundo, nas populações conhecidas como selvagens. A propagação da espécie humana ocorre por meio da inseminação artificial, que, após anos e anos de evolução, permite que os cientistas criem até 80 pessoas advindas dos mesmos gametas, o que cria grupos com dezenas de pessoas idênticas em aparência.
A sociedade é dividida em castas, indo dos mais baixos Ípsolons até os soberanos Alphas. Todos os seres humanos criados recebem, antes mesmo de serem gerados, uma casta, e com isso começam as mudanças genéticas para se adaptarem aos seus grupos e não sentirem vontade de saírem dele. Os Ípsolons, por exemplo, tem uma quantidade reduzida de oxigênio enquanto estão em fase de desenvolvimento embrionário, o que faz com que cresçam com retardo mental, conseguindo realizar apenas as tarefas que não demandam inteligência. Essa desvantagem intelectual os obriga a continuarem para sempre na mesma casta, impedindo que algum indivíduo propague ideais revolucionários. Além dessas peculiaridades biológicas, cada casta recebe um tratamento psicológico desde que nascem, com mensagens sendo repetidas incessantemente instruindo-os com as regras de cada casta, fazendo com que esses dogmas fiquem guardados no subconsciente de cada indivíduo, o que acaba contribui ainda mais para a aceitação de suas posições sociais e o desprezo às demais.
Essa é uma sociedade totalmente movida pelo consumismo e pelas sensações de prazer, e o governo faz tudo que é possível para manter a população seguindo fielmente esses princípios; distribui comprimidos de soma, uma droga que teoricamente não apresenta efeitos colaterais e que dá uma sensação muito prazerosa ao usuário, impõe que as pessoas não devem se apegar emocionalmente a uma pessoa, seja como companheiro amoroso ou como um amigo e propagam a ideia de que "é melhor comprar um novo do que consertar um velho", o que continua movendo a economia dessa sociedade. O individualismo é considerado quase como um pecado nessa sociedade, com as pessoas sendo desencorajadas desde cedo a possuírem qualquer opinião própria ou peculiaridade. Essa é a receita para a felicidade global, mas será que nós realmente queremos atingi-la algum dia?
As sensações ruins fazem parte da vida e do aprendizado humano. Nos tornamos pessoas fracas e sem personalidade quando não enfrentamos problemas em nossas vidas, e isso é exatamente o que acontece com a população representada no livro. As pessoas se entopem de soma e sexo sem sentido ao mínimo sinal de desconforto, como se fossem crianças fazendo birra quando suas vontades são contrariadas, e esse sistema pode facilmente entrar em colapso. Apesar de o livro nos seduzir com a ideia de felicidade eterna, temos que nos lembrar constantemente de que essa felicidade é falsa e baseada em preceitos errados como os excessos e as fugas constantes da realidade, e que uma população 100% feliz é totalmente insustentável, se não for impossível. Não devemos tentar nos isentar de sentimentos como raiva, tristeza, melancolia e nostalgia, mas sim aprender a viver com eles para que nos tornemos pessoas melhores e menos suscetíveis a ataques de ansiedade que nos façam jogar tudo pro alto ao menor sinal de dificuldade.