Ana 22/02/2023
Laranja Mecânica é narrado em primeira pessoa por Alex, um adolescente de 15 anos que faz parte de um grupo de delinquentes que destinam a maior parte do seu tempo para praticar a boa e velha ultra-violência, que seria cometer crimes que vão de roubos a estupros. O curioso é que eles fazem isso por pura diversão. Em uma dessas noites, o grupo resolve assaltar a casa de uma mulher, mas ela liga para a polícia e, por uma baita traição de seus druguis ("amigo", na gíria criada por Anthony Burgess), acaba sendo capturado a tempo.
Acontece que, em seus primeiros anos na prisão, Alex demonstra uma personalidade muito agressiva, o que faz os seus superiores resolvem expô-lo a um tratamento de choque, ainda em fase de testes, chamado Técnica Ludovico. A técnica, criada pelo autor numa crítica ao behaviorismo, visava liquidar o impulso criminoso num período de duas semanas, onde o indivíduo era submetido a sessões de filmes com alto teor de violência, assim como doses injetadas de uma certa substância que fazia com que a pessoa sentisse terríveis enjoos e sensações de mal estar. Assim, ao final do tratamento, toda e qualquer forma de agressão que o paciente presenciasse ou até mesmo pensasse em fazer o levava a sentir tais coisas.
A coisa mais peculiar em toda a história, para mim, é a linguagem criada pelo autor: o nadsat, que é algo como a mistura do inglês tradicional com o russo. Burgess deixa sua intenção explícita: "Foi criado para transformar Laranja Mecânica, entre outras coisas, em uma cartilha sobre lavagem cerebral. Ao ler o livro ou assistir ao filme, você se verá, no final, de posse de um mínimo vocabulário russo — sem nenhum esforço, para sua surpresa. É assim que funciona a lavagem cerebral."
Burgess também faz uma crítica escrachada ao sistema carcerário, além de dar ênfase ao livre-arbítrio. O autor prega que não é uma coisa normal para o indivíduo ser obrigado a não fazer as suas próprias escolhas, o que acaba interferindo no crescimento pessoal de cada indivíduo, já que é natural aprendermos com os nossos próprios erros.
Há duas edições mais recentes do livro, ambas lançadas pela Editora Aleph. A mais simples, editada em 2004 e reimpressa até hoje, possui um prefácio e uma nota sobre a tradução (feita com maestria, levando em conta os termos em nadsat), e um glossário destes termos em nadsat, cuja consulta não recomendo durante a leitura do livro, pois tira a emoção. Uma edição muito bonita, a começar pela capa, com papel pólen soft, que faz a leitura mais agradável. A edição especial de 50 anos tem o mesmo material extra da edição anterior e mais: introdução à edição de aniversário, ilustrações de Angeli, Dave McKean e Oscar Grillo, fac-símile com trechos em inglês dos originais do autor, notas culturais do editor, dois textos e uma nota de Anthony Burgess inéditos em português, além de uma entrevista inédita. A edição líndissima é em capa dura com sobrecapa e impressa em papel couché fosco.
Laranja Mecânica é um clássico moderno, que ressoa apenas com 1984 de George Orwell e Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley. Adaptado para o cinema pelas mãos de ninguém menos que o deus Stanley Kubrick, Laranja Mecânica é um clássico do século XX para a eternidade. Ser considerado pela revista Time um dos 100 melhores romances em inglês desde 1923 só deixa claro que a laranja é ácida do início ao fim.
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