Karin né? 12/09/2022
Curado da cura
Antes de tudo, preciso admitir que enquanto lia, o trecho ??longe o profeta do terror que a laranja mecânica anuncia, amar e mudar as coisas me interessam mais?? da música Alucinação do Belchior, não parava de tocar na minha cabeça.
É difícil resenhar um clássico, por isso quando escreve tento, sobretudo, escrever para mim mesma, pois ler isso tudo e depois não externar alguns sentimentos é meio enlouquecedor. Em resumo; é muita doideira, loucura loucura loucura, como diria o filósofo contemporâneo Luciano Huck.
Começando que é uma história muito bem escrita sobre uma pessoa muito ruim, então paradoxalmente é uma história ruim muito boa, mas muito boa, mas muito boa mesmo. Quase tudo na escrita desse livro é genial (falo de maneira particular), desde a maneira como os capítulos são divididos em partes, fazendo com que o personagem seja extremamente bem desenvolvido em poucas páginas, até a maneira como o Anthony Burgess integra diferentes críticas sobre diferentes pautas na história, seja através de um personagem ou de uma situação.
Como eu disse antes, em um dos comentários enquanto estava lendo, é assustador como certas pautas, na verdade todas, são discutidas ferrenhamente atualmente, mas uma em especial me fez ter certeza que Burgges viajou no tempo para o futuro antes de escrever o livro, que acontece no começo da terceira parte quando ele integra a discussão sobre ?vítimas do sistema?. Fez com que eu me perguntasse muitas coisas, mas principalmente; até quando, ou melhor , até quanTo podemos considerar que alguém é vítima do sistema?
Muitas outras questões parecidas com essa são levantadas no decorrer do livro, e para alguém não cuidadoso pode até parecer que o autor está tentando fazer com que nos voltemos contra os direitos humanos ou algo do tipo. Mas então voltamos para a questão do começo; é um livro bom sobre uma pessoa ruim. A história conta sobre o Alex, sobre quem ele é, e incita o leitor, que o conhece e sabe das suas ?motivações? a julga-lo digno ou indigno das penas que recebe. Talvez, sem perceber, que tal protagonista, na verdade, representa uma parcela de criminosos na sociedade, que pintam, bordam e no fim das contas saem ilesos, ou pior; saem como uma espécie de herói.
Sobre o personagem Alex em si, também tenho coisas a dizer; é ele quem nos conta a própria história, e por isso achei que poderia acontecer de ele romantizar as situações na intenção de capturar o leitor para o seu lado, mas meu amigo, isso não acontece, ele é sim um tanto lúdico em algumas descrições, mas isso só torna mais claro o quanto sua mente é doentio. Ele é, claramente, com todas as letras e provas, um psicopata, isso fica claro pelo modo como ele trata as pessoas, sem nenhuma empatia ou escrúpulo, e pelo modo como ele se vê, como se fosse um rei (é até interessante porque de fato, ele fica chamando os outros de plebeus), o melhor de todos, o líder.
Basicamente, quase todo mundo nesse livro é odioso, o protagonista, os amigos dele, àqueles que ocupam cargos de poder, as velhas sem dentes que encobrem os criminosos por uma caneca de pinga? fora as vítimas, eu só consegui ter empatia pelos pais dele, mas ainda assim me irritava profundamente a maneira como eles agiam defronte a clara maldade do filho.
Sinceramente, dava pra escrever um livro sobre esse livro, pontuando detalhadamente cada ferida que ele abre, feridas que, inclusive, ainda não foram saradas, pelo contrário, ficam cada vez mais abertas, mais podres e mais difíceis de tratar.