Pri | @biblio.faga 25/09/2020
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Achei de uma justeza poética que meu primeiro contato com a escritora Lygia Fagundes Telles tenha sido com o seu também primeiro romance, o livro “Ciranda de Pedra”, lançado no ano de 1954.
No romance de formação*, acompanhamos, em dois momentos distintos, a vida da jovem Virgínia. Ela é o resulto direto (e quase o significado dicionarizado) de um casal separado, e, desde muito nova, a protagonista tem que aprender a dividir a modesta residência com a loucura da mãe (Laura) e a companhia de seu amante, a quem se refere como o tio Daniel, a quem atribui a culpa pelo desfazimento de seu saudoso lar.
De outro lado, Virginia tem que suportar a ausência [tanto material quanto afetiva] de seu pai Natércio e o isolamento por parte de suas irmãs mais velhas, que, enquanto seguem morando uma mansão com o genitor, tem acesso à privilégios e regalias que, ao seu ver, injustamente, lhe são negadas.
Otávia e Bruna, em conjunto com Conrado, Leticia e Afonso, são os integrantes de uma ciranda que Virginia, mais do que tudo, almeja participar, mas que, no entanto, parece se tornar cada vez mais fechada e inacessível, posto que rígida e, aparentemente, forjada em laços de pedra, tal qual os anões que rodeiam a fonte de água do jardim.
A obra é toda permeada por uma sensação de inadequação e não pertencimento. Os dramas pessoais e familiares tem um papel importante na narrativo, porém, seu fardo pesado é suavizado pela escrita bonita e envolvente da autora. Os personagens são complexos, muito bem desenvolvidos e demasiado humanos. O amadurecimento de Virginia é tocante e agradável de se acompanhar: o seu descobrir de que há diversas formas de cirandar, ou até mesmo, um mundo imenso além dessa roda.
Leitura recomendadíssima.
Afinal, “mais importante que nascer é ressuscitar”.
E “começa hoje mesmo a vida que te resta”.
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*Romance de formação (ou bildungsroman, em alemão) designa o tipo de romance em que é exposto, de forma pormenorizada, o processo de desenvolvimento físico, moral, psicológico, estético, social ou político de um personagem, geralmente desde a sua infância ou adolescência até um estado de maior maturidade.
A primeira obra considerada “de aprendizagem” é “Anos de Aprendizado de Wilhelm Meister” (Wilhelm Meisters Lehrjahre), do escritor alemão Johann Wolfgang von Goethe.
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