Alan Martins 19/02/2021
O filme deve ser melhor
Todos ficam apreensivos quando recebem a notícia de que uma obra literária será adaptada para o cinema, principalmente os fãs. Na maioria dos casos, os filmes dificilmente agradam aos leitores, pois modificam bastante a fonte original. Entretanto, há alguns raros casos onde a adaptação acaba superando o livro.
Esse é o caso da obra-prima de Mario Puzo, que rendeu uma trilogia cinematográfica dirigida por Francis Ford Coppola, vencedora de várias estatuetas do Oscar.
Máfia Siciliana
A família Corleone é uma das mais poderosas Famílias da Máfia nova-iorquina. Don Vito Corleone, o chefão, é quem comanda a família. Imigrante da região italiana da Sicília, Vito veio de baixo e construiu um império, um verdadeiro exemplo de self-made man. Todavia, sua fortuna e poder foram adquiridos por meio do crime e da corrupção.
Carismático, inteligente e determinado, Vito é conhecido por todos como O Padrinho. É sempre prestativo com seus amigos e familiares, ajudando todos aqueles que lhe solicitam favores. Tais obséquios sempre são cobrados, foi dessa maneira que conseguiu estabelecer seus domínios.
O enredo cobre os anos de 1945 a 1955. Vito Corleone, apesar de sua influência e sagacidade, já está velho. É preciso passar o legado adiante, para algum de seus filhos. Constanzia “Connie”, a caçula, por ser mulher, está fora do jogo. Santino “Sonny”, o filho mais velho, é esquentado, sem autocontrole. Frederico “Fredo” é tranquilo, mas fraco. Michael “Mike” tem a frieza e a esperteza do pai, daria um excelente Don, no entanto, nunca demonstrou interesse pelos negócios da família, desejando uma vida comum, civil.
Nesse delicado momento de transição de poder, a paz entre as Famílias nova-iorquinas está comprometida. De que jeito ficará a situação dos Corleone? Em tempos de guerra, qualquer detalhe pode ser decisivo.
Onde as mulheres não têm vez
Entre traições, violência e crimes, as personagens femininas acabam não tendo destaque. O mundo da Máfia é extremamente patriarcal, principalmente a Máfia de origem siciliana.
A família Corleone se mostra bastante conservadora. Os homens resolvem os assuntos financeiros, “trabalham”, já as mulheres, cuidam dos filhos, fazem os serviços domésticos.
Com isso não estou querendo dizer que o autor é machista, ou algo do tipo. O romance ilustra uma sociedade regida por patriarcas. É outro tempo, outra cultura. Puzo retratou o estilo da Máfia desse modo. Contudo, acredito que as mulheres poderiam ter maior destaque, ou ser apresentadas de forma diferente.
As mulheres em 'O poderoso chefão' só possuem duas funções: serem boas donas de casa ou objetos sexuais de seus respectivos amantes. Senti essa objetificação em alguns momentos. É um apelo do escritor, chamar o público pelo sexo. Não pegou bem. Aliás, há muitas cenas desnecessárias de cunho sexual, que não servem para nada.
Sobre a edição
Brochura, capa com orelhas, miolo em papel off-white, boa diagramação. Os livros do Grupo Editorial Record que são impressos no Sistema Cameron sofrem de um problema: a impressão é ruim! Em alguns momentos a tinta é muito forte, em outros, fraca demais.
Tradução bem antiga, de Carlos Nayfeld. Não envelheceu bem, fazendo uso de termos bem toscos, prejudicando a obra. Por sorte a Editora Record publicou uma nova edição no final de 2020, com nova tradução, agora por Denise Bottmann, a autora do blog Não Gosto de Plágio. Recomendo-a a novos leitores, deve ser um trabalho deveras melhor!
Vale a pena ler? O veredito
Mario Puzo é o cara das histórias sobre mafiosos. Além de ter escrito um verdadeiro clássico, popularizou termos, tais quais consigliere, caporegime, Cosa Nostra, e omertà. Mesmo assim, não consegui apreciar tanto a leitura.
Em diversos momentos o texto se arrasta, apresentando situações e detalhes desnecessários. Para piorar, o autor fica repetindo coisas que foram ditas anteriormente, como se o leitor não fosse capaz de guardá-las na memória.
Gostei da estrutura da família Corleone, com personagens bem construídos e carismáticos. Eles são unidos, se respeitam, colocando a família acima de tudo. Uma bela mensagem de fraternidade.
Por infelicidade, existem mais pontos ruins do que bons. A questão da objetificação das mulheres talvez seja o pior de todos, difícil de engolir. Passa longe de ser um romance horrível. Sua leitura não acrescentará algo à vida de ninguém, porém, pode servir como bom entretenimento.
'O poderoso chefão' é um título chamativo, já enraizado em nossa cultura popular. Entretanto, prefiro uma tradução direta do original (The Godfather), que ficaria 'O Padrinho'.
Nota (de 0 a 5): 3 ⭐
site: https://anatomiadapalavra.com/2021/02/19/resenha-livro-o-poderoso-chefao/