Luigi.Schinzari 07/07/2020
A Fúria de uma narrativa perfeita
O Som e a Fúria (1929), romance mais conhecido e referenciado do autor norte-americano William Faulkner (1897-1962), não é um livro fácil. Muito pelo contrário: a narrativa dividida em quatro partes longas, sem pausas narrativas em seu meio, cada uma narrada por uma personagem diferente (respectivamente Benjy, Quentin, Jason, irmãos da família protagonista, os Compson, e, ao fim, um narrador onisciente, nos moldes mais tradicionais) e, para dificultar ainda mais, com o uso do fluxo de consciência, método que busca se aproximar do pensamento humano, com digressões e fatos confusos em cada parágrafo, como em nossa mente -- enfim: tudo isso converge para afastar o leitor. Mas isso é um demérito? De forma alguma. É justamente o elemento que faz a obra ser uma experiência única dentro da literatura.
A história do declínio de uma família do sul dos Estados Unidos no começo do século XX é palco para todos os conflitos postos nas páginas de Faulkner: Benjy, o primeiro narrador (e justamente do capítulo mais complicado de se entender de primeira), um homem com problemas mentais graves, dependente dos esforços da mãe e dos empregados e que vê tudo de forma lúdica e irreal; Quentin, o segundo narrador e filho em que foi depositado muito da economia da família para poder estudar em Harvard, motivo este dos problemas financeiros dos Compson e que possui dilemas em relação a sua irmã Caddy; Jason, o terceiro narrador e filho turrão e cínico, responsável por liderar a família após a morte do pai e, em sua narrativa, sempre justificar seus erros; além deste elenco, temos também a matriarca da família, os empregados negros, encabeçados por Dilsey, mulher simples e que dedicou a vida a família, sendo praticamente parte dela e, aparentemente, a fonte de sensatez e bondade em meio a todo o declínio daquele cosmo caótico (um paradoxo, talvez). Cada personagem, seja ela narradora ou apenas mais uma falante pela obra, tem sua forma específica de falar, tem sua voz, motivo este para o infortúnio dos tradutores e também para a recomendação, aos falantes de inglês, para a leitura na língua original.
Em meio a aparente muralha existente para adentrar o mundo criado por Faulkner, deve o leitor curioso se atentar a uma coisa: relaxe. A leitura é, inicialmente, confusa, justamente por conta do fluxo de consciência e da mentalidade de Benjy prejudicada por sua condição mental debilitada, mas é uma barreira a ser derruba com a leitura calma e concentrada. O Som e a Fúria, não à toa, é um dos maiores clássicos mundiais; valorize-o: deixe seu celular de canto; desligue o som ao seu redor e ouça aquele que vem do seu título (inspirado em uma passagem de Macbeth de Shakespeare, aliás). A atenção minuciosa a cada palavra colocada -- E muito bem colocada! -- por Faulkner na mente de seus narradores é necessária pois estas foram também necessárias; tudo que ali está é proposital. Faulkner não desperdiça uma palavra sequer ao longo de toda essa jornada rumo ao poço lamacento de desgraças sem elas serem cruciais para o caminho ao fundo. E, por conta deste fator, o romance têm motivos para releituras incansáveis ao longo dos anos: cada retorno o agraciará com detalhes novos.
Por conta disso tudo, digo novamente: leia O Som e a Fúria de William Faulkner e descubra o porquê do autor ter ganho o Nobel de Literatura em 1949. Este texto é apenas um engajamento para você ir e descobrir, caso não conheça, essa obra de proporções colossais mas colocada em um núcleo familiar no afastado sul norte-americano dos anos 1910 (2 de Junho) e 1928 (7, 6 e 8 de Abril, respectivamente, durante o livro).