Isabela Zamboni | @resenhasalacarte 22/07/2020
Difícil, mas compensador
Se você é fã da Disney, provavelmente já assistiu à animação O Corcunda de Notre-Dame. Mas a história de Esmeralda, Phoebus, Frollo e Quasímodo é inspirada no livro homônimo de Victor Hugo. Sempre li muitas críticas positivas das obras do autor francês — principalmente de Os Miseráveis — mas nunca tinha lido. Confesso que iniciar esse livro foi BEM difícil. Comecei e abandonei umas quatro vezes até engrenar. Achei o vocabulário complicado e a narrativa com muitas descrições, principalmente da catedral. Porém, com alguma persistência, consegui acompanhar o ritmo e gostar da leitura.
O início traz o carnaval na cidade de Paris e as distrações do povo nas ruas. Inúmeros personagens são apresentados, como o arquidiácono, os mendigos, guardas, bispos, estudantes, comerciantes, poetas, políticos da França e da Áustria, os flamengos, os ciganos, os beatos… tudo o que for possível imaginar numa história que se passa no século XV. A descrição da cidade é quase uma obra arquitetônica, construída aos poucos, bem como a própria catedral de Notre-Dame. É como se Victor Hugo esculpisse cada cantinho da cidade.
É fácil perceber a genialidade do autor não somente na escrita erudita, mas pelas sátiras, piadas e críticas sociais. Tudo isso envolto num ritmo acelerado e episódico. Chegando na página 150, já havia passado do ‘Livro 1’ e do ‘Livro 2’. Nesta edição da Penguin, com mais de 600 páginas, a história é separada em várias partes, deixando muito mais fácil de acompanhar a fluidez da obra.
Alguns detalhes já chamaram minha atenção desde o início: a violência e brutalidade de Quasímodo; a inocência e juventude de Esmeralda; a ambiguidade existente em Claude Frollo; a arrogância de Phoebus; e o personagem Gringoire, poeta falido que perpassa os lugares mais inóspitos da cidade. Ao chegar no livro 3, no entanto, Victor Hugo dispensa várias páginas para descrever nos mínimos detalhes tanto a catedral quanto a cidade de Paris, comparando as construções do século XV com as do século XIX (período em que o autor escreveu o livro).
São páginas densas, com inúmeras descrições de ruas, janelas, vitrais, colunas, rios, alamedas, casas, igrejas e tudo o que você puder imaginar. O autor explica como as construções foram criadas, quem foram seus idealizadores, os políticos que as modificaram, quais foram as principais transformações causadas pelo tempo e pelo homem.
Confesso que nesse momento dei uma desacelerada, já que o livro “quebra” ao meio para abrir espaço a um ensaio arquitetônico. Não tiro o mérito do autor, pelo contrário, aqui ele demonstra seu amplo conhecimento e forte opinião. Porém, são páginas cansativas e longas.
Contudo, a partir do livro 4 retornamos à história para saber como Quasímodo foi adotado e chegou aos sinos de Notre-Dame. Nos capítulos que seguem, vemos as tristezas que rondaram a vida do corcunda, que foi renegado e maltratado, chamado de monstro e criatura do inferno, passando sempre pelos olhares cruéis dos franceses. Foi odiado por todos, exceto pelo arquidiácono Claude Frollo, que o adotou, ensinou a falar, deu-lhe um trabalho e o criou sob a égide da catedral.
O Corcunda é um personagem complexo: suas afeições eram voltadas somente ao pai adotivo e aos sinos da igreja, a quem nomeava e sentia orgulho de comandar. As estátuas também lhe faziam companhia, tornando sua vida menos solitária. No entanto, os olhares de desprezo o transformaram numa pessoa triste, ressentida e odiosa. Era muito forte fisicamente, mas carregava consigo uma cólera desenfreada. Assim, muitos sentiam medo de sua figura, incluindo Esmeralda.
Esmeralda é descrita como uma jovem bela, ligeira, astuta e gentil. Porém, a ingenuidade afeta seus sentidos. Ela busca um homem que possa lhe proteger e, por isso, despreza o sentimento do poeta Gringoire e sente afeição por Phoebus, um militar. Ao mesmo tempo, morre de medo do corcunda, que já tentou raptá-la. Esmeralda é constantemente chamada de “egípcia”, de maneira pejorativa. Também é alvo de diversos homens, que acreditam que ela é uma posse a ser adquirida, tamanha sua beleza.
É profundamente irritante ver como Esmeralda é tratada. Da mesma maneira, as atitudes ingênuas da personagem dão muita raiva. Mas aí me lembro que a história se passa no século XV, e como era difícil ser mulher num período em que qualquer coisa era justificativa para “feitiçaria” e, por consequência, a morte no cadafalso.
Claude Frollo, apesar de suas boas ações do passado, com o tempo torna-se um homem difícil, de semblante duro e levemente assustador. É um adorador da alquimia – na época considerado feitiçaria – e por isso era alvo de críticas. Engraçado pensar que Frollo é uma representação de alguém interessado pela química, mas foi considerado louco por buscar respostas além dos dogmas da Igreja.
No decorrer da história, Frollo demonstra sua ambiguidade moral e torna-se um vilão — um dos mais repugnantes, por sinal. Um padre que sente desejo por uma mocinha e que fará de tudo para acabar com a vida dela. Afinal, acredita que ela é sua posse, e ninguém mais deveria compartilhar seus afetos com a “egípcia”.
Outro personagem de dar asco é o próprio Phoebus, paixão de Esmeralda. Claramente o gendarme só a considerava uma jovem qualquer, sentia atração sexual e mentia deliberadamente para conquistá-la. No entanto, faz juras de amor e convence-a de que está perdidamente apaixonado. Ela então acredita que Phoebus é o amor de sua vida e se entrega a ele. O desenrolar dessa história é recheado de estupidez, tragédia e mentiras. Porém, a partir desse momento, o livro conduz o leitor para o final da narrativa, deixando de lado as inúmeras descrições de Paris.
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