spoiler visualizarChaves1000 28/07/2024
Um palhaço triste.
Cara, como um russo em 1864 conseguiu descrever tão bem pensamentos e sentimentos que antes não faziam sentido? E esse livro refuta a ignorância de achar que doenças como depressão, ansiedade e fobia social são recentes da geração "mimimi"
"Pessoas como o escritor dessas memórias não apenas podem como devem existir em nossa sociedade, levando-se em consideração as circunstâncias em que se formou. Quis mostrar ao público, de maneira mais nítida que a habitual, um dos tipos de um passado recente. Trata-se de um dos representantes de uma geração que ainda não desapareceu." F O D A !!!
O livro "Memórias do Subsolo" foi meu primeiro contato com a escrita do Dostoiévski, e sinceramente, gostei muito e já quero ler outros do autor. Aqui vão algumas citações dos últimos capítulos que vale a pena mencionar:
"De fato, quero agora de minha parte fazer uma pergunta inútil: o que é melhor, uma felicidade barata ou um sofrimento elevado? O que é melhor, hein?"
"Pelo menos senti vergonha o tempo todo que passei escrevendo esta história: já não é literatura, portanto, mas sim um castigo, um corretivo. Porque contar, por exemplo, longas histórias a respeito de como eu negligenciei minha vida pela corrupção moral de mim mesmo num canto, pela carência do ambiente, pela falta de costume com a vida, e por um rancor vaidoso no subsolo, meu Deus, como sería desinteressante."
"Um romance precisa de um herói, sendo que aqui estão reunidas propositalmente todas as características de um anti-herói, e o principal é que tudo isso causa uma impressão das mais desagradáveis, porque todos nós nos desacostumamos com a vida, somos todos falhos, uns mais, outros menos. A tal ponto nos desacostumamos que sentimos por vezes uma certa repulsa em relação à autêntica vida real, e por isso não suportamos quando nos lembram dela. Chegamos afinal a tal ponto, que quase consideramos a autêntica vida real um esforço, quase um trabalho, e todos nós concordamos, no íntimo, que nos livros é melhor."
"Deixem-nos sozinhos, sem livros, e nós imediatamente ficaremos confusos, perdidos: não saberemos a que aderir, o que seguir, o que amar e o que odiar, o que respeitar e o que desprezar."
"Sentimos o peso até mesmo de sermos humanos, humanos com um corpo e com sangue verdadeiros, próprios; temos vergonha disso, consideramos uma desonra e fazemos de tudo para sermos algum tipo hipotético de homem universal."
Bom, confesso que achei a primeira parte do livro prolongada demais, e fiquei meio???, mas depois de ler as memórias do personagem, as coisas começam a fazer sentido, já que ele é de falar, não de fazer. O personagem é um cara tão infeliz que prefere viver no "subsolo", mesmo que queira algo mais, pois o subsolo é o que ele está acostumado. Ele é confuso, um narrador não confiável, amargurado, melancólico, hipócrita, egoísta, sem perspectiva de futuro, solitário, socialmente desajeitado, paranóico, stalker (o oficial lá), e sem amor próprio (era cara humilhação). Eu não sabia se ria, sentia pena, ou raiva, mas apesar de tudo, isso só mostra o quão realista o personagem é. Enfim, gostei do livro, e recomendo para quem quer ler algo reflexivo, psicológico e com uma dose de melancolia.