Roberto Soares 14/01/2021"Canta, ó deusa, a cólera de Aquiles, o Pelida
(mortífera!, que tantas dores trouxe aos Aqueus
e tantas almas valentes de heróis lançou no Hades,
ficando seus corpos como presa para cães e aves
de rapina, enquanto se cumpria a vontade de Zeus)"
A "Ilíada" de Homero é tida como a primeira obra da literatura ocidental, um poema épico que relata um pequeno (porém decisivo) episódio ocorrido durante os 10 anos da lendária Guerra de Troia. Os cantos irão girar em torno da implacável ira de Aquiles, inicialmente dirigida ao atrida Agamêmnon, por este ter tomado do outro Briseida, uma bela mulher conquistada como despojo de guerra. Tamanha é a humilhação sentida por Aquiles, que ele, o maior e mais forte de todos os guerreiros aqueus, se retira da guerra, juntamente com todos os seus homens. A partir daí, sem o seu grande herói, os exércitos aqueus vão sendo cada vez mais dominados pelos troianos, liderados pelo grande Heitor, filho do rei de Troia, Príamo. Mas eis que, em combate, Heitor mata Pátroclo, o mais amado companheiro de Aquiles, e só então, possuído pela maior fúria já vista em um homem mortal, Aquiles volta para a guerra para se vingar do amigo morto, protagonizando uma das mais furiosas batalhas já vistas, envolvendo não só aqueus e troianos, mas também os próprios deuses. Mas, no fim, todos estes estão submetidos a duas forças: primeiramente, à vontade única de Zeus, que a tudo e a todos comanda, homens e deuses, para que se cumpra a segunda força, a qual até mesmo o grandioso Senhor dos Céus precisa obedecer: o Destino.
A "Ilíada" é um dos mais belos e exatos registros que temos da cultura grega antiga. São 15 mil versos que datam de quase 3 mil anos atrás, e que formam um verdadeiro manual de conduta para os gregos. Dignidade, coragem, companheirismo, prudência, reverência, resignação e piedade são alguns dentre os vários assuntos que serão vistos aqui. Mas percebe-se que não há nenhuma "moral" no relato; nesse sentido, Homero se mantem neutro na sua narrativa. Apenas relata as ações e os diálogos, e o leitor é quem julgará os corretos e os errados (se é que isso é possível).
O próprio envolvimento das divindades, na minha opinião, é uma marca da magnitude dos acontecimentos e o ponto alto de muitos momentos. Tão ferozes são as batalhas que até mesmo Ares e Afrodite saem feridos pelos homens, e os próprios deuses lutam entre si em defesa dos seus protegidos (Palas Atena nocauteando Ares e Afrodite, Poseidon lutando entre os aqueus e Ártemis sendo espancada por Hera e saindo correndo chorando para o colo de Zeus foram de longe algumas das cenas mais icônicas pra mim). Além disso, o papel e as relações entre deuses e homens é incrível. Sou da opinião de que há algo de muito belo, respeitoso e rico na crença de que há uma presença de diferentes divindades, com histórias e personalidades próprias, em cada um de todos os elementos do Universo e da vida humana.
Enfim, a "Ilíada" é uma leitura incrível: você se emociona, perde o fôlego, ri e chora; você sente raiva, pena, revolta e alívio; em alguns momentos você comemora, e em outros você lamenta. Mas durante toda o tempo você aproveita um bom livro e aprende com uma das narrativas mais importantes da história: aprende sobre uma das culturas mais incríveis, significativas e influentes que já existiu, e aprende sobre a própria natureza humana, na sua metamorfose eterna.