Jacque Spotto 06/11/2021
São Bernardo é um livro narrado pelo protagonista e também é escrito pelo próprio narrador Paulo, ele inicia o livro falando que está escrevendo para deixar registrada sua história. Nas primeiras páginas ele fala como foi o processo para iniciar a escrita e apenas no terceiro capítulo que inicia descrevendo sua forma física, sua idade, e em seguida começa a história.
Paulo relata no livro a sua própria vida, como um diário de memórias. Desde sua dura infância sem pais conhecidos até ser dono da tão almejada fazenda São Bernardo. E ele escreve como se fala, Graciliano utilizou essa forma narrativa que me deixou um pouco confusa no início da leitura, pois são formas
coloquiais e repletas de neologismos, mas conforme a leitura vai fluindo tudo isso deixa de ser um empecilho, pois acostumamos com o estilo narrativo.
Nosso protagonista e narrador Paulo sofreu muito desde a infância, trabalhou em serviços pesados na fazenda São Bernardo, foi preso por 3 anos, e o mais importante, que ele mesmo considera, aprendeu Aritmética, para não ser enganado e dava muito valor ao dinheiro que ganhava. Depois de um tempo
volta à sua cidade em Alagoas e passa a rondar a propriedade de São Bernardo.
Ele vê a oportunidade de conseguir a fazenda, um sonho que sempre teve, com uma certa estratégia maquiavélica, alguns diriam apenas "capitalista", Paulo consegue a propriedade e passa a cuidar da fazenda e fazê-la produtiva. Com o tempo, ele sente a necessidade de ter um herdeiro, buscando assim uma pessoa com quem possa se casar. Encontra então a professora Madalena, que era uma mulher
totalmente contrária aos pensamentos grosseiros e opressores do marido, mas que só irão se tornar um problema após o casamento, pois eles se unem sem se conhecerem bem.
Daí em diante, a vida de Paulo se transforma em uma eterna agonia, pois há momentos de ciúmes infundados que sente da mulher, mania de perseguição das pessoas que trabalham para ele e também por seus próprios conhecidos, ele acredita que eles sempre estão falando mal dele sem nunca ter ouvido nada, como também acredita que cada conhecido que frequenta sua casa possa ser um amante de Madalena. Toda essa paranóia do personagem acaba resultando em uma tragédia.
O personagem Paulo é um homem que foi muito castigado pela vida, não que seja uma desculpa por suas ações, mas ele não sente empatia por ninguém, é machista, ignorante, acredita que como ele sofreu para conseguir seu dinheiro, todos deveriam trabalhar da mesma forma, se um empregado morre
no trabalho isso não lhe dá nenhum sentimento de pena apenas a falta da mão-de-obra, ele vê seus empregados e pessoas ao seu redor como coisas descartáveis ou animais.
"Bichos. As criaturas que me serviram durante anos eram bichos. Havia bichos domésticos, como o Padilha, bichos do mato, como o Casimiro Lopes, e muitos bichos para o serviço do campo, bois mansos".
Ele se casa para ter um herdeiro e não por amor a Madalena nem ao filho, que ele mesmo fala que não gosta. Ele constrói uma escola na propriedade para os filhos dos empregados para poder ter uma boa reputação com o Governador e não para ajudar as crianças. Ele achava ruim até que sua esposa doasse as roupas velhas, para ele deveriam ser jogadas fora. Ele sempre trabalhou para poder conseguir a fazenda e depois que conseguiu, não tinha mais nenhum objetivo na vida.
O livro talvez seja uma forma dele contar tudo isso que ele passou e que não o levou a coisa alguma, ele já está velho e a escrita talvez seja uma forma de amenizar a dor que causou as pessoas ao seu redor e a sua própria. Parece que no decorrer da história ele próprio não tinha esse discernimento, até mesmo no capítulo final ele tenta dar algumas justificativas, algumas alternativas, como ele seria se tivesse escolhido outros caminhos para sua vida ou culpa a própria profissão como uma causadora de suas desconfianças. Ele acredita que essa característica se materializa em sua aparência. Pois no decorrer da história ele o retrata como uma pessoa feia, a cada dia mais descuidada, até mesmo como um monstro, mas isso decorre de dentro para fora, todos os sentimentos ruins ele acredita transparecer na forma física.
"Devo ter um coração miúdo, lacunas no cérebro, nervos diferentes dos nervos dos outros homens. E um nariz enorme, uma boca enorme, dedos enormes.... Fecho os olhos, agito a cabeça para repelir a visão que me exibe essas deformidades monstruosas".
São Bernardo é um livro duro, com um protagonista que nos causa raiva, mas mostra a realidade de pessoas que em busca de um objetivo passa por cima de tudo e todos e que acabam por arruinar a sua própria, que no final de tudo a solidão é a única coisa alcançada.
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