monique.gerke 17/12/2018
Maravilhoso define.
Não foi sem receio que escolhi ler este volume de Guimarães Rosa. A linguagem única e original por vezes assusta. O começo da leitura é truncado, avança com dificuldades ..mas quando se pega o ritmo da escrita de Guimarães, a leitura flui, se torna prazeirosa.
As duas histórias (Campo Geral e Uma história de amor) são lindas. Mas Campo Geral...ahhh, Campo Geral é sublime.
Acompanhar Miguilim, com seus sete anos de idade, descobrindo o bonito da vida, e com ela a dor, foi especial, deixou a alma e o coração quentinhos. Na outra ponta, acompanhar Manuelzão - com seus sessenta anos de idade - nas suas reflexões sobre o tempo de vida que ainda resta, que fins levaram seus sonhos, escolhas, amores.., foi deverás especial.
Personagens “secundários” como Dito e o velho Camilo também deram um colorido importante a esta obra.
Recomendo demais.
Renova a alegria de estar viva!. De ser brasileira. Devolve o simples a vida, o olhar as pequenas coisas. Aquece o profundo. O trivial se torna sublime.
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Uma palinha pra quem ainda está em dúvida:
“Foi no meio duma noite, indo para a madrugada, todos estavam dormindo. Mas cada um sentiu, de repente, no coração, o estalo do silenciozinho que ele fez, a pontuda falta da toada, do barulhinho. Acordaram, se falaram. Até as crianças. Até os cachorros latiram. Aí, todos se levantaram, caçaram o quintal, saíram com luz, para espiar o que não havia. Foram pela porta-da-cozinha. Manuelzão adiante, os cachorros sempre latindo.- "Ele perdeu o chio..." Triste duma certeza: cada vez mais fundo, mais longe nos silêncios, ele tinha ido s'embora, o riachinho de todos. Chegado na beirada, Manuelzão entrou, ainda molhou os pés, no fresco lameal. Manuelzão, segurando a tocha de cera de carnaúba, o peito batendo com um estranhado diferente, ele se debruçou e esclareceu. Ainda viu o derradeiro fiapo d'água escorrer, estilar, cair degrau de altura de palmo a derradeira gota, o bilbo. E o que a tocha na mão de Manuelzão mais alumiou: que todos tremiam mágoa nos olhos. Ainda esperaram ali, sem sensatez; por fim se avistou no céu a estrela-d'alva. O riacho soluço se estancara, sem resto, e talvez para sempre. Secara-se a lagrimal, sua boquinha serrana. Era como se um menino sozinho tivesse morrido.“