Vigiar e Punir

Vigiar e Punir Michel Foucault




Resenhas - Vigiar e Punir


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Daniel.Nascimento 22/03/2021

Curioso
Uma forma diferente de observar as coisas. Essa obra - Vigiar e Punir - parece ser algo masoquista, no entanto nós enganamos. Podemos observar uma alternativa de interpretação para a realidade atual que vivemos. Recomendo a leitura, muito intrigante...
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Camirota 27/06/2021

Boa bagagem histórica
Foucault traz muitas referências histórias nesse livro, é uma leitura importante para quem faz direito ou criminologia, porém, foi uma leitura densa, intercalei entre outro livros e muitas vezes lia com aquela sensação de apenas querer terminar, mas não de estar de fato aproveitando a leitura.

Talvez a edição também não ajude muito, pois o espaçamento não é muito agradável, mas ainda assim traz muitos raciocínios importantes e interessantes.
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bobbie 31/07/2021

Como resenhar Foucault?
Qualquer coisa que eu escreva aqui ficará superficial. Não é nada fácil resenhar ou resumir qualquer obra de Michel Foucault, então vou resumidamente registrar o que você, interessado no título, pode encontrar aqui (e mesmo assim será difícil): Vigiar e punir começa como uma genealogia da punição enquanto direito absoluto do soberano, em períodos pré-reforma penal na Europa no século XVIII: o suplício, os horrores das punições/execuções sangrentas e públicas em forma de espetáculo. Passamos então à reforma e ao surgimento da prisão, o panóptico, a vigilância onipresente, o adestramento/mandamento, a transformação dos corpos criminosos em corpos dóceis. Foucault encerra o estudo com uma análise de como a prisão já nasceu falha e inepta no que, teoricamente, se propunha a fazer: reformar o sujeito criminoso, e como assim se mantém até a contemporaneidade, mesmo depois de mais de 150 anos de seu nascimento.
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Le 25/04/2022

Uma obra larga, extensa e intensa, não há duvidas de que demanda um certo esforço para compreende-la. Nela o autor realiza uma análise histórica da transformação nas formas de punir, fazendo um recorte temporal que abarca desde meados do século XVIII ao modelo existente. Ressalta os suplícios e castigos corporais remanescentes da idade média, os quais eram considerados verdadeiros espetáculos. Inegavelmente, causavam dor a quem os assistia, e com o tempo passaram a gerar repulsa à maior parte da população..
O que não se pode negar é que todas aquelas cenas não passavam de manifestações de poder, que objetivavam a inibição de futuras transgressões e delitos.
No referido período, a punição ganhou novos contornos, chegando à atual privação da liberdade por meio das prisões. Uma condenação oculta, "menos dolorosa" e talvez "mais humana". Uma possibilidade, porém provada ineficiente no quesito correção dos indivíduos.
Enfim, o propósito subjacente do sistema é tornar os corpos dóceis, transformá-los em sujeitos adestrados, domesticados...e nessa perspectiva criam-se tantas outras instituições que contribuem com métodos de disciplina, como: escolas, serviço militar, fábricas, todas atuando como modelos de encarceramento de indivíduos. Corrobora ainda, todo o aparato de leis criado para regrar o comportamento social, onde o abastado é protegido, resguardado, e o miserável vive constantemente à beira da delinquência, propicio ao cárcere.
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Anna 11/06/2022

Leitura necessária para a criminologia e o direito penal
Fiz essa leitura para a faculdade e me surpreendi positivamente!! Foucault traz a teoria de Bentham sobre o panóptico, e ele também traz o histórico das punições antes da prisão como conhecemos hoje. Leitura necessária para o estudo da criminologia e para o direito penal!
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Bruna.Campidelli 17/03/2024

Leitura densa
Foi uma leitura que fugiu totalmente do que costumo ler, mas como bacharel em Direito achei extremamente importante a leitura, já que é muito bem recomendada. Inicialmente, os primeiros capítulos me chocaram, a descrição detalhada do autor faz com que as cenas dos suplícios sejam nitidamente imaginadas pelo leitor. É um livro totalmente técnico. Por fim, apesar de ter demorado um pouco pra finalizar, gostei da experiência.
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ceci.gues 18/03/2024

É um ótimo livro, Foucault tem uma análise sobre as prisões e as formas de punição como demonstração de poder. Já falei tudo sobre o livro e Foucault no seminário, por isso a resenha será sucinta.
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Mariza47 26/07/2024

Sinceramente não é o tipo de leitura que me agrada,Maisa cada capítulo que eu lia aumentava a curiosidade e a ansiedade para o desfecho da história.A impressão é que tudo era pensado e feito para manter o controle e o poder de tudo e todos pois todas as conquistas tudo que foi construído a hierarquia permanece . Um livro para reflexão.recomendo
Derek8 26/07/2024minha estante
Achei q esse livro seria, não ficção




Paulo Silas 19/02/2013

Interessantíssimo estudo!
Uma obra minuciosa e largamente detalhada acerca da evolução da arte de punir.
O notável autor faz um estudo profundo sobre os temas "punição", "disciplina" e "sanção", discorrendo sobre o transcorrer histórico e social da pena, desde os antigos suplícios cometidos em público que resultavam na execução da pena nos cadafalsos, até as prisões como hoje as conhecemos. Neste sentido, Foucault faz uma importante observação digna de nota:

"E se, em pouco mais de um século, o clima de obviedade se transformou, não desapareceu. Conhecem-se todos os inconvenientes da prisão, e sabe-se que é perigosa, quando não inútil. E entretanto não "vemos" o que pôr em seu lugar. Ela é a detestável solução, de que não se pode abrir mão."

Não obstante, é evidenciada a semelhança (para não dizer cópia quase idêntica) entre instituições como prisões, escolas, hospitais e fábrica, cujo fenômeno do panoptismo (o qual é largamente explanado pelo autor) encontra-se presente em todos estes lugares.

Altamente recomendável!
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Jônatas 16/05/2013

Fichamento vigiar e punir


FICHAMENTO:



VIGIAR E PUNIR

MICHEL FOUCALT

Editora vozes, 27º edição ; Petrópolis 1999
Tradução de Raquel Ramalhete





















Vitoria da conquista
30/01/2013
Primeira parte : suplícios
Capítulo I: o corpo dos condenados


[Damiens fora condenado, a 2 de março de 1757], a pedir perdão publicamente diante da poria principal da Igreja de Paris [aonde devia ser] levado e acompanhado numa carroça, nu, de camisola, carregando uma tocha de cera acesa de duas libras; [em seguida], na dita carroça, na praça de Greve, e sobre um patíbulo que aí será erguido, atenazado nos mamilos, braços, coxas e barrigas das pernas, sua mão direita segurando a faca com que cometeu o dito parricídio, queimada com fogo de enxofre, e às partes em que será atenazado se aplicarão chumbo derretido, óleo fervente, piche em fogo, cera e enxofre derretidos conjuntamente, e a seguir seu corpo será puxado e desmembrado por quatro cavalos e seus membros e corpo consumidos ao fogo, reduzidos a cinzas, e suas cinzas lançadas ao vento.
Finalmente foi esquartejado [relata a Gazette d’Amsterdam]. Essa última operação foi muito longa, porque os cavalos utilizados não estavam afeitos à tração; de modo que, em vez de quatro, foi preciso colocar seis; e como isso não bastasse, foi necessário, para desmembrar as coxas do infeliz, cortar-lhe os nervos e retalhar-lhe as juntas... (pág.8)

O afrouxamento da severidade penal no decorrer dos últimos séculos é um fenômeno bem conhecido dos historiadores do direito. Entretanto, foi visto, durante muito tempo, de forma geral, como se fosse fenômeno quantitativo: menos sofrimento, mais suavidade, mais respeito e “humanidade”. Na verdade, tais modificações se fazem concomitantes ao deslocamento do objeto da ação punitiva. Redução de intensidade? Talvez. Mudança de objetivo, certamente.
Se não é mais ao corpo que se dirige a punição, em suas formas mais duras, sobre o que, então, se exerce? A resposta dos teóricos — daqueles que abriram, por volta de 1780, o período que ainda não se encerrou — é simples, quase evidente. Dir-se-ia inscrita na própria indagação. Pois não é mais o corpo, é a alma. À expiação que tripudia sobre o corpo deve suceder um castigo que atue, profundamente, sobre o coração, o intelecto, a vontade, as disposições. Mably formulou o princípio decisivo:

Que o castigo, se assim posso exprimir, fira mais a alma do que o corpo.(pág.20)

Do grande livro de Rusche e Kirchheimer podemos guardar algumas referências essenciais. Abandonar em primeiro lugar a ilusão de que a penalidade é antes de tudo (se não exclusivamente) uma maneira de reprimir os delitos e que nesse papel, de acordo com as formas sociais, os sistemas políticos ou as crenças, ela pode ser severa ou indulgente, voltar-se para a expiação ou procurar obter uma reparação, aplicar-se em perseguir o indivíduo ou em atribuir responsabilidades coletivas. Analisar antes os “sistemas punitivos concretos”, estudá-los como fenômenos sociais que não podem ser explicados unicamente pela armadura jurídica da sociedade nem por suas opções éticas fundamentais; recolocá-los em seu campo
de funcionamento onde a sanção dos crimes não é o único elemento; mostrar que as medidas punitivas não são simplesmente mecanismos “negativos” que permitem reprimir, impedir, excluir, suprimir; mas que elas estão ligadas a toda uma série de efeitos positivos e úteis que elas têm por encargo sustentar (e nesse sentido, se os
castigos legais são feitos para sancionar as infrações, pode-se dizer que a definição das infrações e sua repressão são feitas em compensação para manter os mecanismos punitivos e suas funções).(pág.28)

Que as punições em gera! e a prisão se originem de uma tecnologia política do corpo, talvez me tenha ensinado mais pelo presente do que pela história. Nos últimos anos, houve revoltas em prisões em muitos lugares do mundo. Os objetivos que tinham, suas palavras de ordem, seu desenrolar tinham certamente qualquer coisa de paradoxal. Eram revoltas contra toda uma miséria física que dura há mais de um século: contra o frio, contra a sufocação e o excesso de população, contra as paredes velhas, contra a fome, contra os golpes. Mas eram também revoltas contra as prisões-modelos, contra os tranqüilizantes, contra o isolamento, contra o serviço médico ou educativo. Revoltas cujos objetivos eram só materiais? Revoltas contraditórias contra a decadência, e ao mesmo tempo contra o conforto; contra os guardas, e ao mesmo tempo contra os psiquiatras? De fato, tratava-se realmente dos corpos e de coisas materiais em todos esses movimentos: como se trata disso nos inúmeros discursos que a prisão tem produzido desde o começo do século XIX.(pág.33)

Capitulo II
A ostentação dos suplícios

A ordenação de 1670 regeu, até à Revolução, as formas gerais da prática penal.Eis a hierarquia dos castigos por ela descritos:
A morte, a questão com reserva de provas, as galeras, o açoite, a confissão pública, o banimento. As penas físicas tinham, portanto, uma parte considerável. Os costumes, a natureza dos crimes, o status dos condenados as faziam variar ainda mais. A pena de morte natural compreende todos os tipos de morte: uns podem ser condenados à forca, outros a ter a mão ou a língua cortada ou furada e ser enforcados em seguida; outros, por crimes mais graves, a ser arrebentados vivos e expirar na roda depois de ter os membros arrebentados; outros a ser arrebentados até a morte natural, outros a ser estrangulados e em seguida arrebentados, outros a ser queimados vivos, outros a ser queimados depois de estrangulados; outros a ter a língua cortada ou furada, e em seguida queimados vivos; outros a ser puxados por quatro cavalos, outros a ter a cabeça cortada, outros enfim a ter a cabeça quebrada.1 [E Soulatges, de passagem, acrescenta que há também penas leves, de que a Ordenação não fala]. satisfação à pessoa ofendida,admoestação, repreensão, prisão temporária, abstenção de um lugar, e enfim as penas pecuniárias — muitas ou confiscação.
Não devemos no entanto nos enganar. Entre esse arsenal de horror e a prática cotidiana da penalidade, a margem era grande. Os suplícios não constituíam as penas mais freqüentes, longe disso. Sem dúvida para nossos olhos atuais a proporção de veredictos de morte, na penalidade da era clássica, pode parecer considerável: as
decisões do Châtelet durante o período de 1755 a 1785 comportam 9 a 10% de penas capitais — roda, forca ou fogueira2; em 260 sentenças, o Parlamento de Flandres pronunciou 39 condenações à morte, de 1721 a 1730 (e 26 em 500 entre 1781 e 1790).3 Mas não se deve esquecer que os tribunais encontravam muitos meios de abrandar os rigores da penalidade regular, seja recusando-se a levar adiante processos quando as infrações eram exageradamente castigadas, seja modificando a qualificação do crime; às vezes também o próprio poder real indicava não aplicar estritamente tal ordenação particularmente severa.4 De qualquer modo, a maior parte
das condenações era banimento ou multa: numa jurisprudência como a do Châtelet (que só conhecia delitos relativamente graves) o banimento representou, entre 1755 e 1785, mais da metade das penas aplicadas. Ora, grande parte dessas penas não corporais era acompanhada a título acessório de penas que comportavam uma dimensão de suplício: exposição, roda, coleira de ferro, açoite, marcação com ferrete; era a regra para todas as condenações às galeras ou ao equivalente para as mulheres — a reclusão no hospital; o banimento era muitas vezes precedido pela exposição e pela marcação com ferrete; a multa, às vezes, era acompanhada de
açoite. Não só nas grandes e solenes execuções, mas também nessa forma anexa é que o suplício manifestava a parte significativa que tinha na penalidade; qualquer pena um pouco séria devia incluir alguma coisa do suplício.

Que é um suplício?

Pena corporal, dolorosa, mais ou menos atroz [dizia Jaucourt]; e acrescentava: é um fenômeno inexplicável a extensão da imaginação dos homens para a barbárie e a crueldade. (pág.35)

O corpo supliciado se insere em primeiro lugar no cerimonial judiciário que deve trazer à luz a verdade do crime. Na França, como na maior parte dos países europeus — com a notável exceção
da Inglaterra — todo o processo criminal, até à sentença,permanecia secreto: ou seja opaco não só para o público mas para o próprio acusado. O processo se desenrolava sem ele. ou pelo menos sem que ele pudesse conhecer a acusação, as imputações, os depoimentos, as provas. Na ordem da justiça criminal, o saber era privilégio absoluto da acusação. “O mais diligente e o mais secretamente que se puder fazer”, dizia, a respeito da instrução, o edito de 1498. De acordo com a ordenação de 1670, que resumia, e em alguns pontos reforçava, a severidade da época precedente, era impossível ao acusado ter acesso às peças do processo, impossível conhecer a
identidade dos denuncia-dores, impossível saber o sentido dos depoimentos antes de recusar as testemunhas, impossível fazer valer, até os últimos momentos do processo, os fatos justificativos, impossível ter um advogado, seja para verificar a
regularidade do processo, seja para participar da defesa. Por seu lado, o magistrado tinha o direito de receber denúncias anônimas, de esconder ao acusado a natureza da causa, de interrogá-lo de maneira capciosa, de usar insinuações. Ele constituía, sozinho e com pleno poder, uma verdade com a qual investia o acusado; e essa verdade, os juízes a recebiam pronta, sob a forma de peças e de relatórios escritos; para eles, esses documentos sozinhos comprovavam; só encontravam o acusado uma vez para interrogá-lo antes de dar a sentença. A forma secreta e escrita do processo confere com o principio de que em matéria criminal o estabelecimento da verdade era para o soberano e seus juizes um direito.(pág.38)

segunda parte: punição

capitulo I: punição generalizada

Que as penas sejam moderadas e proporcionais aos delitos, que a de morte só sejaimputada contra os culpados assassinos, e sejam abolidos os suplícios que revoltem a
humanidade.1
O protesto contra os suplícios é encontrado em toda parte na segunda metade
do século XVIII: entre os filósofos e teóricos do direito; entre juristas, magistrados,
parlamentares; nos chaiers de doléances2 e entre os legisladores das assembléias. É
preciso punir de outro modo: eliminar essa confrontação física entre soberano e
condenado; esse conflito frontal entre a vingança do príncipe e a cólera contida do
povo, por intermédio do supliciado e do carrasco. O suplício tornou-se rapidamente
intolerável. Revoltante, visto da perspectiva do povo, onde ele revela a tirania, o
excesso, a sede de vingança e o “cruel prazer de punir”.3 Vergonhoso, considerado
da perspectiva da vítima, reduzida ao desespero e da qual ainda se espera que
bendiga “o céu e seus juizes por quem parece abandonada”.4 Perigoso de qualquer
modo, pelo apoio que nele encontram, uma contra a outra, a violência do rei e a do
povo. Como se o poder soberano não visse, nessa emulação de atrocidades, um
desafio que ele mesmo lança e que poderá ser aceito um dia: acostumado a “ver
correr sangue”, o povo aprende rápido que “só pode se vingar com sangue”.5 Nessas
cerimônias que são objeto de tantas investidas adversas, percebem-se o choque e a
desproporção entre a justiça armada e a cólera do povo ameaçado. Nessa relação
Joseph de Maistre reconhecerá um dos mecanismos fundamentais do poder absoluto:
o carrasco forma a engrenagem entre o príncipe e o povo; a morte que ele leva é
como a dos camponeses escravizados que construíram São Petersburgo por cima dos
pântanos e das pestes: ela é princípio de universalidade; da vontade singular do
déspota, ela faz uma lei para todos, e de cada um desses corpos destruídos, uma
pedra para o Estado; que importa que atinja inocentes! Nessa mesma violência, ritual
e dependente do caso, os reformadores do século XVIII denunciaram, ao contrário, o
que excede, de um lado e de outro, o exercício legítimo do poder: a tirania, segundo
eles, se opõe à revolta; elas se reclamam reciprocamente. Duplo perigo. É preciso
que a justiça criminal puna em vez de se vingar.(pág.25)



Capitulo II: mitigação das penas


A arte de punir deve portanto repousar sobre toda uma tecnologia da representação.
A empresa só pode ser bem sucedida se estiver inscrita numa mecânica natural.
Semelhante à gravitação dos corpos, uma força secreta nos empurra sempre para
nosso bem-estar. Esse impulso só é afetado pelos obstáculos que as leis lhe opõem.
Todas as várias ações do homem são efeitos dessa tendência interior.
Encontrar para um crime o castigo que convém é encontrar a desvantagem cuja
idéia seja tal que torne definitivamente sem atração a idéia de um delito. É uma arte
das energias que se combatem, arte das imagens que se associam, fabricação de
ligações estáveis que desafiem o tempo. Importa constituir pares de representação de
valores opostos, instaurar diferenças quantitativas entre as forças em questão,
estabelecer um jogo de sinais-obstáculos que possam submeter o movimento das
forças a uma relação de poder.
Que a idéia do suplício esteja sempre presente no coração do homem fraco e
domine o sentimento que o arrasta para o crime.1
Esses sinais-obstáculos devem constituir o novo arsenal das penas, como as
marcas-vinditas organizavam os antigos suplícios. Mas, para funcionar, têm que
obedecer a várias condições:
1) Ser tão pouco arbitrários quanto possível. É verdade que é a sociedade que
define, em função de seus interesses próprios, o que deve ser considerado como
crime: este, portanto, não é natural. Mas se queremos que a punição possa sem
dificuldade apresentar-se ao espírito assim que se pensa no crime, é preciso que, de
um ao outro, a ligação seja a mais imediata possível: de semelhança, de analogia, de
proximidade. É preciso dar
à pena toda a conformidade possível com a natureza de delito, a fim de que o medo de um
castigo afaste o espírito do caminho por onde era levado na perspectiva de um crime
vantajoso.2
A punição ideal será transparente ao crime que sanciona; assim, para quem a
contempla, ela será infalivelmente o sinal do crime que castiga; e para quem sonha
com o crime, a simples idéia do delito despertará o sinal punitivo. Vantagem para a
estabilidade da ligação, vantagem para o cálculo das proporções entre crime e
castigo e para a leitura quantitativa dos interesses; pois tomando a forma de uma
conseqüência natural, a punição não aparece como o efeito arbitrário de um poder
humano:
Tirar ao castigo o delito é a melhor maneira de proporcionar a punição ao crime. Se
é isso o triunfo da justiça, é também o triunfo da liberdade, pois então, não vindo mais
penas da vontade do legislador, mas da natureza das coisas, não se vê mais o homem
fazer violência ao homem. (pág.125)

Em todo caso, pode-se dizer que os encontramos no fim do século XVIII
diante de três maneiras de organizar o poder de punir. A primeira é a que ainda
estava funcionando e se apoiava no velho direito monárquico. As outras se referem,
ambas, a uma concepção preventiva, utilitária, corretiva de um direito de punir que
pertenceria à sociedade inteira; mas são muito diferentes entre si, ao nível dos
dispositivos que esboçam. Esquematizando muito, poderíamos dizer que, no direito
monárquico, a punição é um cerimonial de soberania; ela utiliza as marcas rituais da
vingança que aplica sobre o corpo do condenado; e estende sob os olhos dos
espectadores um efeito de terror ainda mais intenso por ser descontínuo, irregular e
sempre acima de suas próprias leis, a presença física do soberano e de seu poder. No
projeto dos juristas reformadores, a punição é um processo para requalificar os
indivíduos como sujeitos de direito; utiliza, não marcas, mas sinais, conjuntos
codificados de representações, cuja circulação deve ser realizada o mais rapidamente
possível pela cena do castigo, e a aceitação deve ser a mais universal possível.
Enfim no projeto de instituição carcerária que se elabora, a punição é uma técnica de
coerção dos indivíduos; ela utiliza processos de treinamento do corpo — não sinais
— com os traços que deixa, sob a forma de hábitos, no comportamento; e ela supõe
a implantação de um poder específico de gestão da pena. O soberano e sua força, o
corpo social, o aparelho administrativo. A marca, o sinal, o traço. A cerimônia, a
representação, o exercício. O inimigo vencido, o sujeito de direito em vias de
requalificação, o indivíduo submetido a uma coerção imediata. O corpo que é
supliciado, a alma cujas representações são manipuladas, o corpo que é treinado;
temos aí três séries de elementos que caracterizam os três dispositivos que se
defrontam na última metade do século XVIII. Não podemos reduzi-los nem a teorias
de direito (se bem que eles lhes sejam paralelos) nem identificá-los a aparelhos ou a
instituições (se bem que se apoiem sobre estes), nem fazê-los derivar de escolhas
morais (se bem que nelas encontrem eles suas justificações). São modalidades de
acordo com as quais se exerce o poder de punir. Três tecnologias de poder.
O problema é então o seguinte: como é possível que o terceiro se tenha
finalmente imposto? Como o modelo coercitivo, corporal, solitário, secreto, do
poder de punir substitui o modelo representativo, cênico, significante, público,
coletivo? Por que o exercício físico da punição (e que não é o suplício) substituiu,
com a prisão que é seu suporte institucional, o jogo social dos sinais de castigo, e da
festa bastarda que os fazia circular? (pág.151)

terceira parte: disciplina
Capitulo I: os corpos dóceis


Eis como ainda no início do século XVII se descrevia a figura ideal do soldado.
soldado é antes de tudo alguém que se reconhece de longe; que leva os sinais
naturais de seu vigor e coragem, as marcas também de seu orgulho: seu corpo é o
brasão de sua força e de sua valentia; e se é verdade que deve aprender aos poucos
ofício das armas — essencialmente lutando — as manobras como a marcha, as
atitudes como o porte da cabeça se originam, em boa parte, de uma retórica corporal
da honra:
Os sinais para reconhecer os mais idôneos para esse ofício são a atitude viva e
alerta, a cabeça direita, o estômago levantado, os ombros largos, os braços longos, os
dedos fortes, o ventre pequeno, as coxas grossas, as pernas finas e os pés secos, pois o
homem desse tipo não poderia deixar de ser ágil e forte: [tornado lanceiro, o soldado]
deverá ao marchar tomar a cadência do passos para ter o máximo de graça e gravidade que for possível, pois a Lança é uma arma honrada e merece ser levada com um porte grave e audaz.
Segunda metade do século XVIII: o soldado tornou-se algo que se fabrica; de
uma massa informe, de um corpo inapto, fez-se a máquina de que se precisa;
corrigiram-se aos poucos as posturas; lentamente uma coação calculada percorre
cada parte do corpo, se assenhoreia dele, dobra o conjunto, torna-o perpetuamente
disponível, e se prolonga, em silêncio, no automatismo dos hábitos; em resumo, foi
“expulso o camponês” e lhe foi dada a “fisionomia de soldado”.2 Os recrutas são
habituados a manter a cabeça ereta e alta; a se manter direito sem curvar as costas, a fazer avançar o ventre, a salientar o peito, e encolher o dorso; e a fim de que se habituem, essa posição lhes será dada apoiando-os contra um muro, de maneira que os calcanhares, a batata da perna, os ombros e a cintura encostem nele, assim como as costas das mãos, virando os braços para fora, sem afastá-los do corpo... ser-lhes-á igualmente ensinado a nunca fixar os olhos na terra, mas a olhar com ousadia aqueles diante de quem eles passam... a ficar imóveis esperando o comando, sem mexer a cabeça, as mãos nem os pés... enfim amarchar com passo firme, com o joelho e a perna esticados, a ponta baixa e para foram... (pág.163)

É possível que a guerra como estratégia seja a continuação da política. Mas
não se deve esquecer que a “política” foi concebida como a continuação senão exata
e diretamente da guerra, pelo menos do modelo militar como meio fundamental para
prevenir o distúrbio civil. A política, como técnica da paz e da ordem internas,
procurou pôr em funcionamento o dispositivo do exército perfeito, da massa
disciplinada, da tropa dócil e útil, do regimento no acampamento e nos campos, na
manobra e no exercício. Nos grandes Estados do século XVIII, o exército garante a
paz civil sem dúvida porque é uma força real, uma espada sempre ameaçadora, mas
também porque é uma técnica e um saber que podem projetar seu esquema sobre o
corpo social. Se há uma série guerra-política que passa pela estratégia, há uma série
exército-política que passa pela tática. É a estratégia que permite compreender a
guerra como uma maneira de conduzir a guerra entre os Estados; é a tática que
permite compreender o exército como um princípio para manter a ausência de guerra
na sociedade civil. A era clássica viu nascer a grande estratégia política e militar
segundo a qual as nações defrontam suas forças econômicas e demográficas; mas
viu nascer também a minuciosa tática militar e política pela qual se exerce nos
Estados o controle dos corpos e das forças individuais. “O” militar — a instituição
militar, o personagem do militar, a ciência militar, tão diferentes do que
caracterizava antes o “homem de guerra” — se especifica, durante esse período, no
ponto de junção entre a guerra e os ruídos da batalha por um lado, a ordem e o
silêncio obediente da paz por outro. O sonho de uma sociedade perfeita é facilmente
atribuído pelos historiadores aos filósofos e juristas do século XVIII; mas há
também um sonho militar da sociedade; sua referência fundamental era não ao
estado de natureza, mas às engrenagens cuidadosamente subordinadas de uma
máquina, não ao contrato primitivo, mas às coerções permanentes, não aos direitos
fundamentais, mas aos treinamentos indefinidamente progressivos, não à vontade
geral mas à docilidade automática.
Dever-se-ia tomar a disciplina nacional [dizia Guibert].
O Estado que eu idealizo terá uma administração simples, sólida, fácil de governar.
Parecerá com essas imensas máquinas, que com molas pouco complicadas produzem
grandes efeitos; a força desse Estado nascerá de sua força, sua prosperidade de sua
prosperidade. O tempo que destrói tudo aumentará sua potência. Ele desmentirá esse
preconceito vulgar que leva a imaginar que os impérios estão submetidos a uma lei
imperiosa de decadência e ruína.60
O regime napoleônico não está longe e com ele essa forma de Estado que lhe
subsistirá e que não se deve esquecer que foi preparado por juristas mas também por
soldados, conselheiros de Estado e oficiais baixos, homens de lei e homens de
acampamento. A referência romana que acompanha essa formação inclui claramente
esse duplo índice: os cidadãos e os legionários, a lei e a manobra. Enquanto os
juristas procuravam no pacto um modelo primitivo para a construção ou a
reconstrução do corpo social, os militares e com eles os técnicos da disciplina
elaboravam processos para a coerção individual e coletiva dos corpos.(pág.194)

Capitulo II :
Os recursos para o bom adestramento

Walhausen, bem no início do século XVII, falava da “correta disciplina”, como uma
arte do “bom adestramento”.1 O poder disciplinar é com efeito um poder que, em
vez de se apropriar e de retirar, tem como função maior “adestrar”; ou sem dúvida
adestrar para retirar e se apropriar ainda mais e melhor. Ele não amarra as forças
para reduzi-las; procura ligá-las para multiplicá-las e utilizá-las num todo. Em vez
de dobrar uniformemente e por massa tudo o que lhe está submetido, separa, analisa,
diferencia, leva seus processos de decomposição até às singularidades necessárias e
suficientes. “Adestra” as multidões confusas, móveis, inúteis de corpos e forças para
uma multiplicidade de elementos individuais — pequenas células separadas,
autonomias orgânicas, identidades e continuidades genéticas, segmentos
combinatórios. A disciplina “fabrica” indivíduos; ela é a técnica específica de um
poder que toma os indivíduos ao mesmo tempo como objetos e como instrumentos
de seu exercício. Não é um poder triunfante que, a partir de seu próprio excesso,
pode-se fiar em seu superpoderio; é um poder modesto, desconfiado, que funciona a
modo de uma economia calculada, mas permanente. Humildes modalidades,
procedimentos menores, se os compararmos aos rituais majestosos da soberania ou
aos grandes aparelhos do Estado. E são eles justamente que vão pouco a pouco
invadir essas formas maiores, modificar-lhes os mecanismos e impor-lhes seus
processos. O aparelho judiciário não escapará a essa invasão, mal secreta. O sucesso
do poder disciplinar se deve sem dúvida ao uso de instrumentos simples: o olhar
hierárquico, a sanção normalizadora e sua combinação num procedimento que lhe é
específico, o exame. (pág.195)

O exame combina as técnicas da hierarquia que vigia e as da sanção que
normaliza. É um controle normalizante, uma vigilância que permite qualificar,
classificar e punir. Estabelece sobre os indivíduos uma visibilidade através da qual
eles são diferenciados e sancionados. É por isso que, em todos os dispositivos de
disciplina, o exame é altamente ritualizado. Nele vêm-se reunir a cerimônia do poder
e a forma da experiência, a demonstração da força e o estabelecimento da verdade.
No coração dos processos de disciplina, ele manifesta a sujeição dos que são
percebidos como objetos e a objetivação dos que se sujeitam. A superposição das
relações de poder e das de saber assume no exame todo o seu brilho visível. Mais
uma inovação da era clássica que os historiadores deixaram na sombra. Faz-se a
história das experiências com cegos de nascença, meninos-lobo ou com a hipnose.
Mas quem fará a história mais geral, mais vaga, mais determinante também, do
“exame” — de seus rituais, de seus métodos, de seus personagens e seus papéis, de
seus jogos de perguntas e respostas, de seus sistemas de notas e de classificação?
Pois nessa técnica delicada estão comprometidos todo um campo de saber, todo um
tipo de poder. Fala-se muitas vezes da ideologia que as “ciências” humanas
pressupõem, de maneira discreta ou declarada. Mas sua própria tecnologia, esse
pequeno esquema operatório que tem tal difusão (da psiquiatria à pedagogia, do
diagnóstico das doenças à contratação de mão-de-obra), esse processo tão familiar
do exame, não põe em funcionamento, dentro de um só mecanismo, relações de
poder que permitem obter e constituir saber? O investimento político não se faz
simplesmente ao nível da consciência, das representações e no que julgamos saber,
mas ao nível daquilo que torna possível algum saber.
Uma das condições essenciais para a liberação epistemológica da medicina no
fim do século XVIII foi a organização do hospital como aparelho de “examinar”. O
ritual da visita é uma de suas formas mais evidentes. No século XVII, o médico,
vindo de fora, juntava a sua inspeção vários outros controles — religiosos,
administrativos; não participava absolutamente da gestão cotidiana do hospital.
Pouco a pouco a visita tornou-se mais regular, mais rigorosa, principalmente mais
extensa: ocupou uma parte cada vez mais importante do funcionamento hospitalar.
Em 1661, o médico do Hotel-Dieu de Paris era encarregado de uma visita por dia;
em 1687, um médico “expectante” devia examinar, à tarde, certos doentes mais
graves. Os regulamentos do século XVIII determinam os horários da visita, e sua
duração (duas horas no mínimo); insistem para que um rodízio permita que seja
realizado todos os dias “inclusive domingo de Páscoa”; enfim em 1771 institui-se
um médico residente, encarregado de “prestar todos os serviços de seu estado, tanto
de noite como de dia, nos intervalos entre uma visita e outra de um médico de
fora”.19 A inspeção de antigamente, descontínua e rápida, se transforma em uma
observação regular que coloca o doente em situação de exame quase perpétuo. Com
duas conseqüências: na hierarquia interna, o médico, elemento até então exterior,
começa a suplantar o pessoal religioso e a lhe confiar um papel determinado mas
subordinado, na técnica do exame; aparece então a categoria do “enfermeiro”;
quanto ao próprio hospital, que era antes de tudo um local de assistência, vai tornarse
local de formação e aperfeiçoamento científico: viravolta das relações de poder e
constituição de um saber. O hospital bem “disciplinado” constituirá o local
adequado da “disciplina” médica; esta poderá então perder seu caráter textual e
encontrar suas referências menos na tradição dos autores decisivos que num campo
de objetos perpetuamente oferecidos ao exame. (pág.210)

Capitulo III:
O panoptismo

Eis as medidas que se faziam necessárias, segundo um regulamento do fim do século
XVII, quando se declarava a peste numa cidade.
Em primeiro lugar, um policiamento espacial estrito: fechamento, claro, da
cidade e da “terra”, proibição de sair sob pena de morte, fim de todos os animais
errantes; divisão da cidade em quarteirões diversos onde se estabelece o poder de um
intendente. Cada rua é colocada sob a autoridade de um síndico; ele a vigia; se a
deixar, será punido de morte. No dia designado, ordena-se todos que se fechem em
suas casas: proibido sair sob pena de morte. O próprio síndico vem fechar, por fora,
a porta de cada casa; leva a chave, que entrega ao intendente de quarteirão; este a
conserva até o fim da quarentena. Cada família terá feito suas provisões; mas para o
vinho e o pão, se terá preparado entre a rua e o interior das casas pequenos canais de
madeira, que permitem fazer chegar a cada um sua ração, sem que haja comunicação
entre os fornecedores e os habitantes; para a carne, o peixe e as verduras, utilizam-se
roldanas e cestas. Se for absolutamente necessário sair das casas, tal se fará por
turnos, e evitando-se qualquer encontro. Só circulam os intendentes, os síndicos, os
soldados da guarda e também entre as casas infectadas, de um cadáver ao outro, os
“corvos”, que tanto faz abandonar à morte: é “gente vil, que leva os doentes, enterra
os mortos, limpa e faz muitos ofícios vis e abjetos”. Espaço recortado, imóvel,
fixado. Cada qual se prende a seu lugar. E, caso se mexa, corre perigo de vida, por
contágio ou punição.
A inspeção funciona constantemente. O olhar está alerta em toda parte: “Um
corpo de milícia considerável, comandado por bons oficiais e gente de bem”, corpos
de guarda nas portas, na prefeitura e em todos os bairros para tornar mais pronta a
obediência do povo, e mais absoluta a autoridade dos magistrados, “assim como
para vigiar todas as desordens, roubos e pilhagens”. Às portas, postos de vigilância;
no fim de cada rua, sentinelas. Todos os dias, o intendente visita o quarteirão de que
está encarregado, verifica se os síndicos cumprem suas tarefas, se os habitantes têm
queixas; eles “fiscalizam seus atos”. Todos os dias também o síndico passa na rua
por que é responsável; pára diante de cada casa; manda colocar todos os moradores
às janelas (os que habitassem nos fundos teriam designada uma janela dando para a
rua onde ninguém mais poderia se mostrar); chama cada um por seu nome; informase
do estado de todos, um por um — “no que os habitantes serão obrigados a dizer a
verdade, sob pena de morte”; se alguém não se apresentar à janela, o síndico deve
perguntar a razão: “Ele assim descobrirá facilmente se escondem mortos ou
doentes”. Cada um trancado em sua gaiola, cada um à sua janela, respondendo a seu
nome e se mostrando quando é perguntado, é a grande revista dos mortos e dos
vivos.(pág.220)

O procedimento do inquérito na Idade Média foi imposto à velha justiça
acusatória, mas por um processo vindo de cima; já a técnica disciplinar invadiu,
insidiosamente e como que por baixo, uma justiça penal que é ainda, em seu
princípio, inquisitória. Todos os grandes movimentos de derivação que caracterizam
a penalidade moderna — a problematização do criminoso por trás de seu crime, a
preocupação com uma punição que seja correção, terapêutica, normalização, a
divisão do ato do julgamento entre diversas instâncias que devem, segundo se
espera, medir, avaliar, diagnosticar, curar, transformar os indivíduos — tudo isso trai
a penetração do exame disciplinar na inquisição judiciária.
O que agora é imposto à justiça penal como seu ponto de aplicação, seu objeto
“útil”, não será mais o corpo do culpado levantado contra o corpo do rei; não será
mais tampouco o sujeito de direito de um contrato ideal; mas o indivíduo disciplinar.
O ponto extremo da justiça penal no Antigo Regime era o retalhamento infinito do
corpo do regicida: manifestação do poder mais forte sobre o corpo do maior
criminoso, cuja destruição total faz brilhar o crime em sua verdade. O ponto ideal da
penalidade hoje seria a disciplina infinita: um interrogatório sem termo, um
inquérito que se prolongasse sem limite numa observação minuciosa e cada vez mais
analítica, um julgamento que seja ao mesmo tempo a constituição de um processo
nunca encerrado, o amolecimento calculado de uma pena ligada à curiosidade
implacável de um exame, um procedimento que seja ao mesmo tempo a medida
permanente de um desvio em relação a uma norma inacessível e o movimento
assintótico que obriga a encontrá-la no infinito. O suplício completa logicamente um
processo comandado pela Inquisição. A “observação” prolonga naturalmente uma
justiça invadida pelos métodos disciplinares e pelos processos de exame. Acaso
devemos nos admirar que a prisão celular, com suas cronologias marcadas, seu
trabalho obrigatório, suas instâncias de vigilância e de notação, com seus mestres de
normalidade, que retomam e multiplicam as funções do juiz, se tenha tornado o
instrumento moderno da penalidade? Devemos ainda nos admirar que a prisão se
pareça com as fábricas, com as escolas, com os quartéis, com os hospitais, e todos se
pareçam com as prisões?(pág.251)




quarta parte: prisão
capitulo III :
Instituições completas e austeras


A prisão é menos recente do que se diz quando se faz datar seu nascimento dos
novos códigos. A forma-prisão preexiste à sua utilização sistemática nas leis penais.
Ela se constituiu fora do aparelho judiciário, quando se elaboraram, por todo o corpo
social, os processos para repartir os indivíduos, fixá-los e distribuí-los
espacialmente, classificá-los, tirar deles o máximo de tempo, e o máximo de forças,
treinar seus corpos, codificar seu comportamento contínuo, mantê-los numa
visibilidade sem lacuna, formar em torno deles um aparelho completo de
observação, registro e notações, constituir sobre eles um saber que se acumula e se
centraliza. A forma geral de uma aparelhagem para tornar os indivíduos dóceis e
úteis, através de um trabalho preciso sobre seu corpo, criou a instituição-prisão,
antes que a lei a definisse como a pena por excelência. No fim do século XVIII e
princípio do século XIX se dá a passagem a uma penalidade de detenção, é verdade;
e era coisa nova. Mas era na verdade abertura da penalidade a mecanismos de
coerção já elaborados em outros lugares. Os “modelos” da detenção penal — Gand,
Gloucester, Walnut Street — marcam os primeiros pontos visíveis dessa transição,
mais que inovações ou pontos de partida. A prisão, peça essencial no conjunto das
punições, marca certamente um momento importante na história da justiça penal:
seu acesso à “humanidade”. Mas também um momento importante na história desses
mecanismos disciplinares que o novo poder de classe estava desenvolvendo: o
momento em que aqueles colonizam a instituição judiciária. Na passagem dos dois
séculos, uma nova legislação define o poder de punir como uma função geral da
sociedade que é exercida da mesma maneira sobre todos os seus membros, e na qual
cada um deles é igualmente representado; mas, ao fazer da detenção a pena por
excelência, ela introduz processos de dominação característicos de um tipo particular
de poder. Uma justiça que se diz “igual”, um aparelho judiciário que se pretende
“autônomo”, mas que é investido pelas assimetrias das sujeições disciplinares, tal é a
conjunção do nascimento da prisão, “pena das sociedades civilizadas”1.
Pode-se compreender o caráter de obviedade que a prisão-castigo muito cedo
assumiu. Desde os primeiros anos do século XIX, ter-se-á ainda consciência de sua
novidade; e entretanto ela surgiu tão ligada, e em profundidade, com o próprio
funcionamento da sociedade, que relegou ao esquecimento todas as outras punições
que os reformadores do século XVIII haviam imaginado. Pareceu sem alternativa, e
levada pelo próprio movimento da história:
Não foi o acaso, não foi o capricho do legislador que fizeram do encarceramento a base e
o edifício quase inteiro de nossa escala penal atual: foi o progresso das idéias e a
educação dos costumes.(pág.261)

“Instituições completas e austeras”, dizia Baltard.10 A prisão deve ser um
aparelho disciplinar exaustivo. Em vários sentidos: deve tomar a seu cargo todos os
aspectos do indivíduo, seu treinamento físico, sua aptidão para o trabalho, seu
comportamento cotidiano, sua atitude moral, suas disposições; a prisão, muito mais
que a escola, a oficina ou o exército, que implicam sempre numa certa
especialização, é “onidisciplinar”. Além disso a prisão é sem exterior nem lacuna;
não se interrompe, a não ser depois de terminada totalmente sua tarefa; sua ação
sobre o indivíduo deve ser ininterrupta: disciplina incessante. Enfim, ela dá um
poder quase total sobre os detentos; tem seus mecanismos internos de repressão e de
castigo: disciplina despótica. Leva à mais forte intensidade todos os processos que
encontramos nos outros dispositivos de disciplina. Ela tem que ser a maquinaria
mais potente para impor uma nova forma ao indivíduo pervertido; seu modo de ação
é a coação de uma educação total:
Na prisão o governo pode dispor da liberdade da pessoa e do tempo do detento; a
partir daí, concebe-se a potência da educação que, não em só um dia, mas na sucessão dos dias e mesmo dos anos pode regular para o homem o tempo da vigília e do sono, da atividade e do repouso, o número e a duração das refeições, a qualidade e a ração dos alimentos, a natureza e o produto do trabalho, o tempo da oração, o uso da palavra e, por assim dizer, até o do pensamento, aquela educação que, nos simples e curtos trajetos do refeitório à oficina, da oficina à cela, regula os movimentos do corpo e até nos momentos de repouso determina o horário, aquela educação, em uma palavra, que se apodera do homem inteiro, de todas as faculdades físicas e morais que estão nele e do tempo em que ele mesmo está.Esse “reformatório” integral prescreve uma recodificação da existência bem diferente da pura privação jurídica de liberdade e bem diferente também da simples mecânica de representações com que sonhavam os reformadores na época da Ideologia.
1) Primeiro princípio, o isolamento. Isolamento do condenado em relação ao
mundo exterior, a tudo o que motivou a infração, às cumplicidades que a facilitaram.
Isolamento dos detentos uns em relação aos outros. Não somente a pena deve ser
individual, mas também individualizante. E isso de duas maneiras. Em primeiro
lugar, a prisão deve ser concebida de maneira a que ela mesma apague as
conseqüências nefastas que atrai ao reunir num mesmo local condenados muito
diversos: abafar os complôs e revoltas que se possam formar, impedir que se
formem cumplicidades futuras ou nasçam possibilidades de chantagem (no dia em
que os detentos se encontrarem livres), criar obstáculo à imoralidade de tantas
“associações misteriosas”. Enfim, que a prisão não forme, a partir dos malfeitores
que reúne, uma população homogênea e solidária:
Existe entre nós neste momento uma sociedade organizada de criminosos... formam
uma pequena nação no seio da grande. Quase todos esses homens se conheceram nas prisões ou nelas se encontram. São os membros dessa sociedade que importa hoje dispersar. Além disso, a solidão deve ser um instrumento positivo de reforma. Pela reflexão que suscita, e pelo remorso que não pode deixar de chegar: jogado na solidão o condenado reflete. Colocado a sós em presença de seu crime, ele
aprende a odiá-lo, e se sua alma ainda não estiver empedernida pelo mal é no isolamento que o remorso virá assalta-lo.(pág.266)

Capitulo II:
ilegalidade e delinquencia

No que se refere à lei, a detenção pode ser privação de liberdade. O encarceramento
que a realiza sempre comportou um projeto técnico. A passagem dos suplícios, com
seus rituais de ostentação, com sua arte misturada à cerimônia do sofrimento, a
penas de prisões enterradas em arquiteturas maciças e guardadas pelo segredo das
repartições, não é passagem a uma penalidade indiferenciada, abstrata e confusa; é a
passagem de uma arte de punir a outra, não menos científica que ela. Mutação
técnica. Dessa passagem, um sintoma e um resumo: a substituição, em 1837, da
cadeia dos forçados pelo carro celular.
A cadeia, tradição que remontava à época das galeras, ainda subsistia sob a
monarquia de julho. A importância que parece ter adquirido como espetáculo no
começo do século XIX talvez esteja ligada ao fato de que ela juntava numa só
manifestação dois modos de castigo: o caminho para a detenção se desenrolava
como um cerimonial de suplício.1 Os relatos da “última cadeia” — na verdade, as
que cruzaram a França em todos os sentidos no verão de 1836 — e de seus
escândalos permitem encontrar esse funcionamento, bem estranho às regras da
“ciência penitenciária”. A saída, um ritual de cadafalso; é a selagem das coleiras de
ferro e das cadeias, no pátio de Bicêtre: o forçado fica com a nuca virada sobre a
bigorna, como uma estaca de ferro; mas desta vez a arte do carrasco, ao martelar, é
não esmagar a cabeça — habilidade invertida que sabe não dar a morte.
O grande pátio de Bicêtre exibe os instrumentos do suplício: várias fileiras de
cadeias com suas gargantilhas. Os artoupans (chefes dos guardas), ferreiros temporários, dispõem a bigorna e o martelo. À grade do caminho da ronda estão coladas todas aquelas cabeças com uma expressão indiferente ou atrevida, e que o operador vai rebitar. Mais alto, em todos os andares da prisão, vêem-se pernas e braços pendurados pelas grades dos cubículos, parecendo um bazar de carne humana; são os detentos que vêm assistir à toalete de seus companheiros da véspera... ei-los na atitude do sacrifício. Estão sentados no chão, emparelhados ao acaso e de acordo com o tamanho; esses ferros de que cada um deve levar 8 libras por seu lado pesam-lhes sobre os joelhos. O operador passa-os em revista tomando a medida das cabeças e adaptando os enormes colares de uma polegada de espessura. Para rebitar uma gargantilha é necessário o concurso de três carrascos: um agüenta a bigorna, o outro mantém reunidos os dois lados do colar de ferro e preserva com os dois braços estendidos a cabeça do paciente, e o terceiro bate com pancadas redobradas e achata o cravo sob seu martelo maciço. Cada golpe abala a cabeça e o
corpo... aliás, não se pensa no perigo que a vítima poderia correr se o martelo se
desviasse; esta impressão é nula, ou antes ela se desfaz diante da impressão profunda de horror que se experimenta ao contemplar a criatura de Deus num tal rebaixamento.(pág.286)


Sem dúvida as análises de La Phalange não podem ser consideradas
representativas das discussões que os jornais populares faziam na época sobre os
crimes e a penalidade. Mas elas se situam no contexto dessa polêmica. As lições de
La Phalange não se perderam totalmente. Elas é que foram despertadas pela reação
tão ampla de resposta aos anarquistas, quando, na segunda metade do século XIX,
eles, tomando como ponto de ataque o aparelho penal, colocaram o problema
político da delinqüência; quando pensaram reconhecer nela a forma mais combativa
de recusa da lei; quando tentaram, não tanto heroicizar a revolta dos delinqüentes
quanto desligar a delinqüência em relação à legalidade e à ilegalidade burguesa que
a haviam colonizado; quando quiseram restabelecer ou constituir a unidade política
das ilegalidades populares.(pág.320)







Capitulo III:
O carcerário

Tivesse eu que fixar a data em que se completa a formação do sistema carcerário,
não escolheria 1810 e o Código Penal, nem mesmo 1844, com a lei que estabelecia o
princípio do internamente celular; talvez não escolhesse 1838, quando foram
publicados os livros de Charles Lucas, Moreau-Christophe e Faucher sobre a
reforma das prisões. Mas 22 de janeiro de 1840, data da abertura oficial de Mettray.
Ou melhor talvez, aquele dia, de uma glória sem calendário, em que uma criança de
Mettray agonizava dizendo: “Que pena ter que deixar tão cedo a colônia”.1 Era a
morte do primeiro santo penitenciário. Muitos bem-aventurados o seguiram, sem
dúvida, se é verdade que os colonos costumavam dizer, para fazer o elogio da nova
política punitiva do corpo: “Preferiríamos as pancadas, mas a cela é melhor para
nós”.
Por que Mettray? Porque é a forma disciplinar no estado mais intenso, o
modelo em que concentram todas as tecnologias coercitivas do comportamento. Tem
alguma coisa “do claustro, da prisão, do colégio, do regimento”. Os pequenos
grupos, fortemente hierarquizados, entre os quais os detentos se repartem, têm
simultaneamente cinco modelos de referência: o modelo da família (cada grupo é
uma “família” composta de “irmãos” e de dois “mais velhos”); o modelo do exército
(cada família, comandada por um chefe, se divide em suas seções, cada qual com um
subchefe; todo detento tem um número de matrícula e deve aprender os exercícios
militares básicos; realiza-se todos os dias uma revista de limpeza, e uma vez por
semana uma revista de roupas; a chamada é feita três vezes por dia); o modelo da
oficina, com chefes e contramestres que asseguram o enquadramento do trabalho e o
aprendizado dos mais jovens; o modelo da escola (uma hora ou hora e meia de aula
por dia; o ensino é feito pelo professor e pelos subchefes); e por fim o modelo
judiciário; todos os dias se faz uma “distribuição de justiça” no parlatório:
A mínima desobediência é castigada e o melhor meio de evitar delitos graves é punir
muito severamente as mais leves faltas; em Mettray reprime-se qualquer palavra inútil;
a principal das punições infligidas é o encarceramento em cela; pois
o isolamento é o melhor meio de agir sobre o moral das crianças; é aí principalmente que
a voz da religião, mesmo se nunca houvesse falado a seu coração, recebe toda a sua
força e emoção; (pág.321)

Termino aqui com este texto anônimo. Estamos agora muito longe do país dos
suplícios, das rodas, dos patíbulos, das forcas, dos pelourinhos; estamos muito longe
também daquele sonho que, cinqüenta anos antes, alimentavam os reformadores: a
cidade das punições, onde mil pequenos teatros levariam à cena constantemente a
representação multicor da justiça e onde os castigos cuidadosamente encenados
sobre cadafalsos decorativos constituiriam a quermesse permanente do Código. A
cidade carcerária, com sua “geopolítica” imaginária, obedece a princípios totalmente
diferentes. O texto de La Phalange lembra alguns desses princípios mais
importantes: que no coração da cidade e como que para mantê-la há, não o “centro
do poder”, não um núcleo de forças, mas uma rede múltipla de elementos diversos
— muros, espaço, instituição, regras, discursos; que o modelo da cidade carcerária
não é então o corpo do rei, com os poderes que dele emanam, nem tampouco a
reunião contratual das vontades de onde nasceria um corpo ao mesmo tempo
individual e coletivo, mas uma repartição estratégica de elementos de diferentes
naturezas e níveis. Que a prisão não é filha das leis nem dos códigos, nem do
aparelho judiciário; que não está subordinada ao tribunal como instrumento dócil e
inadequado das sentenças que aquele exara e dos efeitos que queria obter; que é o
tribunal que, em relação a ela, é externo e subordinado. Que, na posição central que
ocupa, ela não está sozinha, mas ligada a toda uma série de outros dispositivos
“carcerários”, aparentemente bem diversos — pois se destinam a aliviar, a curar, a
socorrer — mas que tendem todos como ela a exercer um poder de normalização.
Que aquilo sobre o qual se aplicam esses dispositivos não são as transgressões em
relação a uma lei “central”, mas em torno do aparelho de produção — o “comércio”
e a “indústria” —, toda uma multiplicidade de ilegalidades, com sua diversidade de
natureza e de origem, seu papel específico no lucro, e o destino diferente que lhes é
dado pelos mecanismos punitivos. E que finalmente o que preside a todos esses
mecanismos não é o funcionamento unitário de um aparelho ou de uma instituição,
mas a necessidade de um combate e as regras de uma estratégia. Que,
conseqüentemente, as noções de instituição de repressão, de eliminação, de
exclusão, de marginalização, não são adequadas para descrever, no próprio centro da
cidade carcerária, a formação das atenuações insidiosas, das maldades pouco
confessáveis, das pequenas espertezas, dos procedimentos calculados, das técnicas,
das “ciências” enfim que permitem a fabricação do indivíduo disciplinar. Nessa
humanidade central e centralizada, efeito e instrumento de complexas relações de
poder, corpos e forças submetidos por múltiplos dispositivos de “encarceramento”,
objetos para discursos que são eles mesmos elementos dessa estratégia, temos que
ouvir o ronco surdo da batalha.(pág.334)
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Fidel 22/12/2018

VIGIAR E PUNIR
Vigiar e Punir, uma das mais importantes obras de Michel Focault, é um estudo sobre o nascimento da prisão. Há duas vertentes embutidas neste projeto: uma criminal, em que o individuo faz parte de um sistema de justiça punitiva do qual é vítima. A outra, dominante: o indivíduo se encontra em uma sociedade em que todos os olhares estão direcionados para ele, vigiando-o, punindo-o e trazendo-o para um comportamento disciplinar, elaborado para lhe retirar a liberdade, torná-lo escravos do sistema global e perverso. Neste sentido, Focault sustenta que o objetivo deste sistema é doutrinar o indivíduo, separado-o em espaços controlados e tornando-o obediente ao sistema.

“Em suma, a arte de punir, no regime do poder disciplinar, não visa nem a expiação nem mesmo exatamente a repressão. Põe em funcionamento cinco operações bem distintas: relacionar os atos, os desempenhos, os comportamentos singulares a um conjunto, que é o mesmo tempo campo de comparação, espaço de diferenciação e princípio de uma regra a seguir.”

Focault aponta a escola, entre outros segmentos de controle, como ambiente disciplinador em que prepara os alunos para adequação a sociedade de vigilância e punição.O instrumento da dominação. É nas escolas que o indivíduo é preparado para obedecer, não reagir, aceitar e não contestar. Inicia-se nas escolas o processo da doutrinação do indivíduo.

“Basta então colocar um vigia na torre central em cada cela trancar um louco, um doente, um condenado, um operário ou um escolar… Induzir no detento um estado consciente permanente de visibilidade que assegura o funcionamento automático do poder… De modo que não é necessário recorrer à força para obrigar o condenado ao bom comportamento, o louco à calma, o operário ao trabalho, a escolar à aplicação.”

Na vertente criminal, Focault critica o sistema prisional e sustenta que este deriva deste processo de dominação. As análises de Focault ao modelo prisional estabelecido revelam que ao vigiar e punir o Estado desumaniza e subverte a relação existente entre o crime e o criminoso. Adverte que este sistema é sustentado por uma estratégia pautada no contrato social (Rousseau) em que o indivíduo criminoso tende a responder sozinho pelo crime, embora o tenha cometido. Assim, todos o condenam e este arca sozinho entregue a sua sorte.

“Quer dizer que se, aparentemente, a nova legislação criminal se caracteriza por uma suavização das penas, uma codificação mais nítida, uma considerável diminuição do arbitrário, um consenso mais bem estabelecido a respeito do poder de punir (na falta de uma partilha mais real de seu exercício), ela é apoiada basicamente por uma profunda alteração na economia tradicional das ilegalidades e uma rigorosa coerção para manter seu novo ajustamento.”

“No nível dos princípios, essa nova estratégia é facilmente formulada na teoria geral do contrato. Supõe-se que o cidadão tenha aceitado de uma vez por todas, com as leis da sociedade, também aquela que poderá puni-lo. O criminoso aparece então como um ser juridicamente paradoxal.”

“Efetivamente a infração lança o indivíduo contra todo corpo social; a sociedade tem o direito de se levantar em peso contra ele, para puni-lo. Luta desigual: de um só lado todas as forças, todo o poder, todos os direitos. E tem mesmo que ser assim, pois aí está representada a defesa de cada um. Constitui-se assim um formidável direito de punir, pois o infrator se torna o inimigo comum.”

Desta forma, Focault propõe uma reestruturação no sistema penal, visto que na sua visão o “monstro vomitado” pela natureza é o próprio criminoso (o bom selvagem) moldado pela economia do poder de punir.

“Entre o princípio contratual que rejeita o criminoso para fora da sociedade e a imagem do monstro “vomitado” pela natureza, onde encontrar um limite, senão na natureza humana que se manifesta, não no rigor da lei, não na ferocidade do delinqüente, mas na sensibilidade do homem razoável que faz a lei e não comete crimes.”

Há certo perigo que ronda este fantástico trabalho de Foucault. Este, quando de uma leitura atenta, faz parecer que o criminoso é uma vítima do sistema. Desta forma pode induzir o leitor focado em pontos específico da obra, a errônea conclusão que o criminoso não é responsável pelos seus crimes. Entretanto, a globalidade da obra, nos remete além desta questão, ainda que não ignore a possibilidade do vitimismo, lança a luz sobre um problema com os sistemas prisionais em todo o mundo. Esta é uma questão que Focault não esgota em sua obra, mas abre lacunas para reflexões.

site: www.leiologopenso.com.br
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Clara 25/12/2020

Primeiro livro que leio do Foucault que me deixo apaixonada por sua escrita e a relação do poder que esse discerta, principalmente no aspecto carcerário. O Foucault realiza uma análise histórica e social acerca das formas de punição ao longo da história e como esses métodos foram se modificando.
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Teste de leitura 24/12/2021

Gente do céu que suplício ler o final desse livro hahaha
Vigir e punir é uma obra recomendadíssima, visto que Foucault debruça com intensidade a respeito de diversas coisas muito legais de se ler. A respeito das prisões, meios de correção, dos suplício, da disciplina dos homens e por aí vai, o cara é fera.

No entanto a leitura é muito densa, e um livro datado e como todo livro clássico tem o peso da linguagem, que não chega a ser tão rebuscada mas que não tem a mesma leveza dos livros de direito contemporâneos ou dos livros de ficção, o que enseja uma leitura mais arrastada.

Tive problemas em onde colocar tanto post-it de tanto momento interessante que queria preservar.

Por fim, e não menos importante, sobre a edição.

Li essa edição da Editora Vozes 2020
Não gostei da diagramação, achei muito reduzida, gostei da qualidade das imagens ainda que reunidas todas em um ponto estranho do texto, e a gramatura da folha é boa fiz anotações a lapiz e apaguei algumas que desisti de fazer kkkkkk
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